Marcos de Vasconcellos blog

Ligando os pontos

Textos de Marcos de Vasconcellos, jornalista, CEO do Monitor do Mercado, colunista da Folha de S.Paulo e assessor de investimentos.

Boicotados na Europa, frigoríficos têm crédito no BNDES ameaçado

Quem acompanha os papéis dos frigoríficos sabem que, como bons exportadores que são, eles se beneficiam das altas do dólar. Com isso, até mesmo o nosso desastre fiscal faz os preços subirem.

icone de relogio 24/12/2021 11:08

A sua ceia de Natal vai ter carne? De onde? Marfrig, JBS, BRF ou Minerva? As ações das duas primeiras (MRFG3 e JBSS3) subiram impressionantes 80% e 76% neste ano, respectivamente. E as outra duas (BFRS3 e BEEF3) tiveram desempenho também bastante acima do Ibovespa, principal indicador do nosso mercado, que caiu mais de 11% desde janeiro.

Quem acompanha os papéis dos frigoríficos sabem que, como bons exportadores que são, eles se beneficiam das altas do dólar. Com isso, até mesmo o nosso desastre fiscal faz os preços subirem.

Essas variações cambiais têm forte impacto nas curto prazo. Para quem investe pensando no longo prazo, entretanto, uma notícia interessante vem do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Mais especificamente de uma circular publicada nesta quarta-feira (22/12).

A nova norma muda as regras para a liberação de dinheiro do banco para abatedouros. Trocando em miúdos, as empresas que receberem financiamento do BNDES a partir do ano que vem terão que comprovar, com auditorias independentes, que nenhum dos fornecedores da toda a sua cadeia de produção tem condenações penais relativas a desmatamento nem foram incluídos na lista de áreas embargadas do Ibama.

A exigência, que inova ao colocar todos os fornecedores da cadeia na mira, e não apenas os fornecedores diretos, vem logo após um chamativo boicote de supermercados europeus à carne brasileira.

No último dia 15, marcas consolidadas de varejistas, como a subsidiária do Carrefour na Bélgica e o britânico Sainsbury’s, afirmaram que não vão mais vender carne do Brasil, nem produtos ligados à JBS.

A base para o boicote foi a investigação feita pelas ONGs Repórter Brasil e Mighty Earth, segundo a qual a JBS estaria comprando bois criados em áreas desmatadas, fazendo o que chamaram de “lavagem de gado”.

De acordo com a reportagem feita pelas ONGs, logo antes de serem revendidos para a gigante com atuação global, os bois eram vendidos para fazendas regularizadas. Assim, disfarçavam a origem criminosa dos animais, apresentando apenas a documentação dos fornecedores diretos.

Questionada por jornalistas, a JBS disse ter “tolerância zero” com o desmatamento ilegal e que bloqueou mais de 14 mil fornecedores por isso; que a reportagem cita apenas cinco dos seus mais de 77 mil fornecedores diretos; e que pretende criar um sistema para monitorar fornecedores indiretos até 2025.

Empurrãozinho do BNDES

Uma semana depois do anúncio do boicote, o BNDES publicou a nova circular, dando um passo importante para fortalecer o que o mercado hoje chama de iniciativas ESG -- sigla para destacar boas práticas ambientais, sociais e de governança.

É importante entender que os quatro grandes frigoríficos da Bolsa receberam e recebem quantias superlativas do BNDES. Recentemente, aliás, a JBS quitou o último empréstimo que havia contratado, de singelos R$ 3 bilhões.

Colocar a vasta cadeia de produção destes players sob a lupa é um caminho mais do que interessante para valorizá-los no longo prazo, diz o advogado Yun Ki Lee, Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, banca especializada em ESG.

A avaliação é que a sequência de altas das ações do setor, por motivos como aumento da demanda ou valorização do dólar, terá um teto mais baixo caso elas não se adaptem às exigências do mercado no longo prazo, como as boas práticas ambientais.

Assim, além da ameaça de secar as torneiras dos financiamentos, a nova norma do BNDES chama a atenção para a urgência de colocar todos os fornecedores sob rígido escrutínio, antes que a clientela mude de ideia e aumente o número de boicotes.

Para o investidor que acompanha de perto as empresas das quais é acionista, isso é um forte sinal para checar quem efetivamente tem áreas atuantes de ESG, além de um cargo ou uma menção no site.

*Marcos de Vasconcellos é jornalista e assessor de investimentos. CEO do Monitor do Mercado, escreve às sextas-feiras na Folha de S.Paulo, sobre investimentos.

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