Marcos de Vasconcellos blog

Ligando os pontos

Textos de Marcos de Vasconcellos, jornalista, CEO do Monitor do Mercado, colunista da Folha de S.Paulo e assessor de investimentos.

Crise dos fertilizantes gera onda desproporcional na Bolsa

Essa estranha sucessão de terríveis e históricos eventos que vivenciamos, fora de qualquer previsão, mostra como a preparação das empresas para cenários pouco prováveis deve, sim, ser uma preocupação para os investidores.

icone de relogio 07/03/2022 11:41

A dor do mercado de ações está na busca incessante e inviável de prever o futuro. Na miríade de artigos sobre tendências e perspectivas para 2022, não vi quem tenha falado sobre uma guerra na Europa, bem como nas previsões para 2020, ninguém sugeria o início de uma pandemia.

Essa estranha sucessão de terríveis e históricos eventos que vivenciamos, fora de qualquer previsão, mostra como a preparação das empresas para cenários pouco prováveis deve, sim, ser uma preocupação para os investidores.

É por isso que profissionais usam ferramentas (gráficos, cálculos de correlação, análises de exposição a determinados mercados) para definir carteiras de investimento. E é também por isso que medem os resultados das empresas como “acima” ou “abaixo” das expectativas -- não necessariamente como “bom” ou “ruim”.

Longe de mim repetir bobagens como “na crise, uns choram e outros vendem lenço”. Esse apelo raso ignora, principalmente, que você não escolhe como será atingido por uma crise. Quem tem seu bairro bombardeado ou perde familiares para um vírus devastador não precisa de lições sobre empreendedorismo.

Dito isso, olhando o aspecto econômico, a guerra na Ucrânia deixou-nos, de imediato, sob o risco de abastecimento de fertilizantes -- essenciais para um país com foco na produção agrícola –; de trigo – como se o supermercado já não estivesse caro o bastante --; e de petróleo – e tome aumento no preço da gasolina.

Das produtoras nacionais de fertilizantes, vale olhar o caso da Fertilizantes Heringer, que está há dois anos em recuperação judicial e acaba de protocolar um pedido para sair dela.

Quando protocolou o pedido para sair da recuperação, em 16 de fevereiro, suas ações (FHER3) tiveram uma boa alta, de 3,59%. Com a ofensiva russa na Ucrânia, no entanto, os papéis saltaram mais de 27%.

A princípio, sair da recuperação judicial é um passo muito importante na vida de uma empresa. Com isso, ela abre as portas das instituições financeiras e do mercado como um todo para expandir seus negócios e voltar a crescer. No mundo dos fundamentos, é onde está o poder de a empresa se valorizar ou não no futuro.

Ainda assim, o que atiçou mesmo a adrenalina dos investidores foram as manchetes sobre a guerra e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, anunciando que o estoque de fertilizantes que temos dura até outubro, bem como o lançamento de um “Plano Nacional de Fertilizantes”.

O tal plano, pelo que deu para entender, será um “diagnóstico” sobre a oferta de fertilizantes no Brasil, que poderá trazer propostas legislativas como mudança nas regras de licenciamento ambiental para exploração de jazidas e permissão para extração em terras indígenas.

Ou seja, até agora, trata-se apenas da sugestão de que será feito um estudo a partir do qual devem ser sugeridas mudanças legais, mexendo inclusive com demarcação de território indígena. Isso em ano de eleição presidencial, quando é sabidamente mais difícil aprovar projetos que possam servir como queda de braço pública.

Quem olha para isso na hora de comprar uma ação, ignora que mesmo sendo uma empresa brasileira, a Heringer é totalmente dependente da importação de insumos para a produção de seus fertilizantes. Em 2020, 78% das matérias-primas usadas na produção foram importadas.

O aviso foi feito pela própria empresa, ao elencar os riscos de sua operação: “Nossa lucratividade tem sido, e pode ser no futuro, afetada pelo preço e pela oferta dessas matérias-primas”.

Isso estava ali, nas linhas do formulário de referência entregue pela empresa à CVM. Mas quem não parou para entender o negócio do qual, no fim, vai ser um sócio ao comprar ações, pode facilmente pensar que os fertilizantes seriam o “lenço” para vender na crise.

No fim das contas, as ações subiram quando a oferta dos insumos essenciais à produção começa a cair, criando uma onda desproporcional.

Mais do que apostar num jogo de previsões sobre oferta e demanda, investir exige compreender onde há espaço para as empresas crescerem. E quando.

A análise política sobre a liberação ou não dos fertilizantes do leste europeu para o Brasil é mais do que difícil. Ao mesmo tempo em que a viagem de Jair Bolsonaro à Rússia para tratar do tema antes do início da guerra pode trazer alívio, o fato de o Brasil ter sido o único dos BRICS a votar contra Vladimir Putin na ONU pesa do outro lado da balança.

Marcos de Vasconcellos é assessor de investimentos, jornalista e CEO do Monitor do Mercado.

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