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A ameaça real de “estagflação” persistente

Um ambiente macroeconômico ideal combinaria alto crescimento com baixa inflação, ou seja, uma rápida expansão da atividade com preços estáveis. No entanto, esse "sonho de consumo" entre crescimento e inflação é difícil de alcançar, devido a uma correlação histórica positiva entre ambos a longo prazo. Mais crescimento tende a levar ao pleno emprego e à intensiva utilização da capacidade, pressionando recursos e preços.

icone de relogio 27/06/2022 13:42

*Por Luiz Pinto e Marcelo Knopfelmacher

A inflação e o crescimento do PIB são os dois impulsionadores mais poderosos de uma economia moderna.

Embora de maneiras diferentes, ambos afetam todas as principais decisões sobre o timing e o locus do consumo e do investimento.

Um ambiente macroeconômico ideal combinaria alto crescimento com baixa inflação, ou seja, uma rápida expansão da atividade com preços estáveis. No entanto, esse "sonho de consumo" entre crescimento e inflação é difícil de alcançar, devido a uma correlação histórica positiva entre ambos a longo prazo. Mais crescimento tende a levar ao pleno emprego e à intensiva utilização da capacidade, pressionando recursos e preços.

Nas últimas décadas, de 1990 a 2020, a economia global prosperou sob um regime macro que é muitas vezes apelidado de "Grande Moderação", ou seja, um período em que as economias avançadas se beneficiaram de crescimento moderado com baixa inflação. A "Grande Moderação" foi alimentada por várias tendências seculares ou de longo prazo, incluindo digitalização, globalização, fabricação just-in-time e avanços institucionais fundamentados na idéia de bancos centrais independentes.

Enquanto a digitalização aumentou a eficiência e a produtividade em todos os países, a globalização abriu novos mercados e permitiu que uma força de trabalho muito maior se envolvesse em atividades criadoras de valor. Até certo ponto, a globalização andou de mãos dadas com o "dividendo geopolítico" trazido à tona pelo final da Guerra Fria (1947-1989) e pela abertura do grande mercado chinês.

Isso foi amplificado pelos avanços no gerenciamento da cadeia de suprimentos e na infraestrutura de transporte, o que favoreceu uma rede de fabricação global just-in-time que opera com baixos estoques e entregas rápidas. Sob esta rede, a produção é otimizada para responder à demanda em alta frequência, minimizando a utilização de tempo, mão de obra e materiais. Além disso, as tendências deflacionárias também foram apoiadas por reformas institucionais e pela operacionalização de bancos centrais independentes que concentraram suas atividades na manutenção de preços estáveis.

No entanto, com exceção da digitalização, as outras tendências que viabilizaram a "Grande Moderação" parecem ter atingido o seu pico histórico pouco antes da Crise Financeira Global em 2008-09, num movimento que se acelerou drasticamente após os dois grandes choques da década de 2020: a pandemia de Covid-19 e o conflito russo-ucraniano.

Após um período de forte recuperação na sequência do piso da recessão da pandemia em 2020, há sinais crescentes de que o quadro macro global está se direcionando para um ambiente muito menos benigno, com baixo crescimento e alta inflação. Esse fenômeno econômico é chamado de “estagflação”.

Nos EUA, ainda a principal força da economia global, a inflação atingiu uma alta recorde de quase duas gerações, enquanto os indicadores de mais alta frequência apontam para uma forte desaceleração da atividade. O "nowcast" do Federal Reserve de Atlanta, uma estimativa contínua do crescimento real do PIB com base nos dados econômicos imediatamente disponíveis, aponta para uma economia estagnada dos EUA. Isso provavelmente se espalhará para outras regiões, estimulando um período de "estagflação" global.

É importante ressaltar que a "estagflação" pode não ser apenas um fenômeno temporário associado a gargalos de fornecimento relacionados à pandemia e choques geopolíticos.

Duas grandes mudanças sugerem que as forças "estagnativas" globais podem prevalecer por um longo período de tempo, além do ciclo atual, mesmo que a inflação dos EUA se acalme um pouco nos próximos trimestres.

Primeiro, as relações políticas entre as superpotências globais estão se deteriorando rapidamente, transformando o "dividendo geopolítico" da integração global em uma "recessão geopolítica" de desglobalização.

Exemplos incluem a rivalidade estratégica EUA-China e as recentes sanções contra a Rússia, após a invasão da Ucrânia.

Isso contribui para reverter a globalização e prejudica a fabricação just-in-time, levando a uma agenda de protecionismo, "onshoring" da cadeia de suprimentos, segurança alimentar e fronteiras mais fechadas para os fluxos migratórios. Além disso, também torna a economia global mais vulnerável a choques negativos do lado da oferta, como a ruptura violenta dos mercados de commodities desencadeada pelo conflito russo-ucraniano.

Portanto, a "recessão geopolítica" é negativa para a produtividade, o comércio e os fluxos de investimento, aumentando os custos de produção. Isso cria as condições para um crescimento mais baixo e preços mais elevados no longo prazo.

Em segundo lugar, a pandemia levou novamente a um aumento significativo da dívida global, que já beirava o seu recorde histórico antes dessa elevação. Os níveis de dívida nas principais economias avançadas está muito elevado, o que torna a atividade muito sensível a um ciclo mais significativo de aumentos das taxas de juros.

Nesse sentido, se a inflação alta continuar por muito mais tempo, a magnitude e o ritmo da normalização da política monetária teriam de ser mais contidos do que níveis similares de inflação exigiram em ciclos anteriores. A última vez em que a inflação dos EUA atingiu a alta de maio desse ano foi no início de 1982, quando a taxa de juros básica do Fed era de 15%, contra os atuais 1.75%.

Historicamente, todas as vezes em que a inflação dos EUA quebrou a marca dos 5%, a espiral de preços não foi contida até que a taxa básica de juros ultrapassasse a taxa máxima de inflação do ciclo. Em todas essas ocasiões, o aperto monetário causou uma recessão.

Dessa vez, entretanto, parece pouco provável que as autoridades monetárias tenham estômago para uma política tão restritiva. O mais provável é que se tente evitar transtornos no mercado de crédito e possíveis recessões mais profundas, principalmente se houver uma moderação nas taxas de inflação nos próximos trimestres. Em outras palavras, altos níveis de endividamento podem forçar os principais bancos centrais a moderar seu mandato de inflação em nome da estabilidade do crédito e do emprego. Apesar do pivô "hawkish" dos principais bancos centrais nos últimos meses, há quem aposte num espaço limitado de política monetária para uma luta mais abrangente contra a inflação.

Em suma, a pandemia de Covid-19 e o conflito russo-ucraniano podem se tornar os catalisadores de uma reversão da chamada "Grande Moderação", produzindo um período mais longo de "estagflação".

 

*Luiz Pinto, economista, doutor em economia internacional pela UFRJ, com pós-doutorado pela Universidade de Columbia de Nova York e MBA executivo pela HEC-Paris. É Diretor da BRICS Strategic Solutions em Londres, Reino Unido.

*Marcelo Knopfelmacher, advogado, mestre em Direito Público pela PUC de São Paulo. É Diretor da BRICS Strategic Solutions em Londres, Reino Unido.

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