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Conselhos de administração estão de “cara nova” e com novos desafios em 2022

Como os conselhos de administração e o mundo corporativo estão se adaptando cada vez mais a um mundo tão preocupado com pautas ESG

icone de relogio 23/02/2022 09:40

Por Leonardo Barém Leite*

Os Conselhos de Administração estão mudando e tendem a mudar ainda mais nos próximos anos, passando a ser cada vez mais estratégicos, mais propositivos, mais diversos, e envolvidos com o universo ESG. Além de romper com o passado, e ajudar o mundo corporativo a construir um futuro (também para a sociedade) mais sustentável, será necessário pensar e agir de forma mais moderna.

Tudo indica que o “novo conselho” comporte mais seres humanos estratégicos e comprometidos com a sustentabilidade, além de especialistas em risco e crise, do que apenas integrantes com visão financeira e/ou “ultraespecializados” em seus segmentos.

Se os conselhos já foram focados no rápido retorno financeiro ao acionista e muitos evoluíram para o cuidado com os stakeholders e a boa governança corporativa, precisarão subir mais um degrau, rumo à visão ainda mais geral, coletiva, humana, social e estratégica – a longo prazo.

A sociedade está se transformando mais rapidamente, e muitas empresas estão percebendo que têm que ser (ainda) mais ágeis e assertivas na percepção do que precisam adaptar (e até reinventar) – sob pena de não terem espaço no mundo atual. Precisarão tentar “prever o futuro” para sobreviver, além de ampliar a função social em todos os seus aspectos. E, logicamente, para isso, os conselhos também precisam mudar!

Vários dos principais segmentos corporativos da atualidade, sendo muitos deles tradicionais, precisarão de mudanças estruturais radicais para não morrer. Há casos emblemáticos, como os sempre citados da mineração, petróleo, automobilismo, construção civil, química, hotelaria, moda, alimentação, bancário, transportes, shopping centers, e tantos outros; mas em breve todos terão que se ajustar.

Os consumidores estão cada vez mais atentos e criteriosos aos movimentos das marcas, buscando sustentabilidade, inclusive no modelo de negócios – o que tende a mudar hábitos, demandas, composições de preços, mix de produtos/serviços, equipes, publicidade, apoio a causas, e muito mais. E a pressão de grupos organizados, da mídia, de organizações internacionais e até dos parceiros comerciais e dos colaboradores está chegando com força.

Pressão de todos os lados não chega a ser novidade para o universo corporativo, mas a mudança de cenário, e de contexto tem sido cada vez mais forte, generalizada, rápida e profunda, demandando criatividade, resiliência, sensibilidade e inovação de modelos (não apenas automação), em escala ainda maior.

Se o papel e o tamanho do Estado estão sendo reavaliados na maioria dos países, passando pela revisão de prioridades, a relação das empresas com as pessoas e com o planeta também está. E não se pode imaginar que questões tão profundas sejam restritas ao ambiente acadêmico, pois afetam os mercados, os investimentos, as decisões de compra, e as vidas de todos nós.

Muitos dos modelos de negócios considerados vencedores há poucos anos, já foram abandonados, e vários outros estão surgindo todos os dias, abrindo espaço para novos “unicórnios”; assim como para uma das maiores ondas de empreendedorismo da nossa era.

Tudo isso exige um corpo diretivo (nas empresas) com perfis realmente diferentes e mais modernos, além de mais humanos, do que se via há pouco tempo. Especialmente nas organizações em que também os investidores sejam mais conscientes e coerentes.

A postura socioambiental (real) das empresas já não é opção, através de programas de inclusão (efetiva), certificações e rastreamento, doações e apoio a organizações locais ou internacionais, assim como a sua relação com o mundo virtual, com os jovens, com as "minorias” e com um mundo cada vez mais conectado. A preocupação com o meio ambiente e com as pessoas “chegou para ficar”, e a terceirização será revista, pois a responsabilidade não se transfere.

Todas as indústrias terão que rever seu modelo de negócio para considerar o impacto exercido no mundo em geral, não apenas nos stakeholders, mas também nos “no holders” – o que exigirá transformações profundas nos Conselhos de Administração para que orientem as empresas nessa nova jornada.

Setores que adotavam premissas antigas, como os baseados em abusos ambientais ou no modelo de fomento ao uso rápido e ao descarte, bem como ao “modelo da estação” (telefonia, veículos, moda etc.), estão passando por reestruturações extremamente profundas. Mas todos serão afetados.

 

Infelizmente, ainda vemos empresas e executivos que num primeiro momento acreditam não haver nada a melhorar, nem no aspecto ambiental nem social, ou que escolhem um exemplo pequeno e mais simples para receber o holofote. Em todos os casos já analisados, a realidade, porém, é que há muito a fazer se a vontade de melhorar for genuína.

A rediscussão sobre o que é realmente importante para as pessoas (em função de suas prioridades financeiras versus sua preocupação ambiental e social) certamente as levará a consumir menos “modismos” (das confecções ao luxo, dos telefones aos carros, e assim por diante). E haverá maior preocupação com insumos, certificação de origem das matérias primas, composição dos produtos, destino dos rejeitos, postura social e muito mais.

Muita gente já não quer ter um carro, já não quer o telefone ou o computador do ano, já não troca as roupas da estação e já não quer mais morar sozinha ou hospedar-se em hotéis, já não deixa de ler os rótulos, já questiona a publicidade e já compara os preços dos produtos com os valores das empresas, e a remuneração dos executivos – além das composições das gerências, diretorias e conselhos.

Consumidores conscientes, comprometidos e coerentes, certamente terão uma nova relação com setores que promovam a cultura dos “lançamentos” do ano ou da estação, ignorando a crescente preocupação com a sustentabilidade. E são os mesmos que já não aceitam as promessas de construções “verdes” que não se preocupam com o contexto dos bairros, que matam árvores nos terrenos e ainda se dizem conscientes, ou que compram madeiras e alimentos sem saber a origem.

Os “novos tempos” trazem discussões tão profundas sobre o modo de vidas das pessoas e sobre o que consideram importante, bem como sobre suas relações com as “marcas” (sobretudo no tocante ao que se quer “plantar” para os próximos anos), que já não se pode ignorar que os Conselhos têm que ser repaginados. E na sequência as diretorias.

Se o mundo empresarial mudou e mudará ainda mais, certamente o perfil dos corpos executivos terá que (ao menos) acompanhar o ritmo, e espera-se uma enorme busca por talentos baseados em novos critérios.

Entre os desafios ampliados pela pandemia e seus desdobramentos, percebe-se que alguns dos pilares tradicionais do que se entendia como “melhores práticas empresariais” estão sendo rediscutidos. 

Por questões tecnológicas ou geopolíticas, pela ampliação dos choques geracionais e das mudanças de hábitos e preferências, bem como pelas crescentes demandas sociais por inclusão e efetivo respeito à diversidade, por uma nova relação com o meio ambiente, ou ainda pela rediscussão da relação das empresas com os consumidores e com os seus colaboradores – os anos 2020 são os anos da transformação.

As empresas precisam entender que vivemos uma nova realidade, pois do “burnout” aos diversos assédios, assim como do “home office” e das reuniões digitais ao “boom” do comércio eletrônico, ou das restrições de componentes vindos do oriente (que tendem a gerar debates e ajustes sobre alguns aspectos da globalização) às novas demandas por perfis de colaboradores nem sempre abundantes e disponíveis, o ambiente e os desafios são cada vez mais instáveis e dinâmicos.

Certamente, executivos acostumados a cobrar resultados financeiros sem considerar o aspecto humano, bem como focados em inovações meramente tecnológicas ou de automação, desconsiderando as prioridades das novas gerações, ou que não se preocupam com economia de energia e de água, com os rejeitos, ou com desmatamentos e queimadas, estão com os dias contados.

Conselhos que exigiam retornos meramente financeiros, e que aprovavam projetos sem considerar a sustentabilidade, tendem a ficar para trás. Assim como as consultorias com pacotes padronizados e fechados, que não consideram as peculiaridades de cada empresa.

A gestão atual em nova concepção e novos pilares, demandando conselhos mais humanos, mais diversos, mais estratégicos, e com efetiva preocupação com a governança corporativa, o compliance, a sustentabilidade e o ESG.

O Século XXI está começando agora (em 2022), em função do “tsunami” gerado pela pandemia, que escancarou a diversidade, as disparidades sociais, os abusos ambientais, e que alterou boa parte da lógica mundial – assim como de suas prioridades.

Novos produtos e serviços estão surgindo, assim como novos modelos de negócios, mas é inegável que em todos eles o “DNA” da sustentabilidade plena (em linha com o ESG) precisará receber toda a atenção dos Conselhos (com ainda maior foco em diversidade na gestão tanto em termos de formação e de experiências, quanto de origem, raça, idade, gênero etc.).

Se a maioria das empresas precisou adaptar (quase de um dia para o outro) as reuniões ao mundo virtual e os contratos à assinatura digital (em velocidade bem maior do que antecipavam), terá também que conviver com as mudanças de hábitos e de preferências dos clientes, assim como com a revolução trazida pelo capitalismo consciente.

Ainda neste primeiro semestre as companhias brasileiras terão suas assembleias gerais (ao que tudo indica, em formato híbrido), que tendem a ser extremamente inovadoras em termos de pauta, e de recados aos administradores – notadamente os Conselhos de Administração, pois sabemos que os próximos anos serão extremamente complexos, demandando inovação e criatividade.

Que venham novos perfis de conselheiros e de administradores, mais estratégicos e sensíveis do que técnicos, mais humanos do que “exatos”, mais focados na sustentabilidade do que no curto prazo, e mais criativos do que reativos. Assim como consultores e advogados mais focados nesse novo mundo.

*Leonardo Barém Leite é sócio sênior do escritório Almeida Advogados, especialista em Direito Societário, M&A, Governança Corporativa, ESG, Contratos, Projetos e novos negócios, “Compliance” e Direito Corporativo.

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