Vozes de Mercado

Artigos de opinião sobre economia e investimentos, por diversos autores

"Por que a Bolsa é um campo minado de mentiras?"

O que podemos aprender com a condenação de Elizabeth Holmes que já não sabíamos

icone de relogio 23/03/2022 13:43

Por Isac Costa*

Por que ninguém pode criar um website e pedir dinheiro para financiar um projeto em troca de uma participação nos resultados? A barreira para captar poupança junto ao público em geral decorre da legislação norte-americana sobre o mercado de capitais, que influenciou quase todos os países, exigindo a obtenção de uma autorização prévia, um "carimbo se quiser voar" como cantava Raul Seixas. A ideia remonta ao início do Século XX, quando surgiram as "leis do céu azul", em referência a uma tentativa de obter recursos para financiar uma máquina que faria chover. A razão da proibição é muitas vezes considerada paternalista: sem um conjunto mínimo de exigências e informações a serem prestadas pelas companhias, os investidores ficam à mercê de estelionatários.

Em matéria de investimentos, a credulidade surpreende. Desde a febre holandesa de compra de tulipas, passando pela bolha da South Sea Company — que enganou até Sir Isaac Newton, levando-o a afirmar ser capaz de “prever o movimento dos corpos celestes”, mas não a “loucura das multidões” — e chegando a escândalos como Enron e, no Brasil, Fazendas Boi Gordo, Avestruz Master e Atlas Quantum, dentre outros, o rol de manias e golpes parece não ter fim.

Assim como o Direito Penal não inibe a ocorrência de crimes, a regulação do mercado de capitais parece incapaz de frear os falsos profetas, os gurus sedutores e, mais recentemente, os carismáticos e arrojados "founders", capazes de usar seu carisma para que investidores relevem projeções de fluxos de caixa medíocres.

Elizabeth Holmes tem olhos azuis que sempre estão arregalados (ela piscava nada ou muito pouco em entrevistas) e fala com uma voz grave e hipnótica. Bilionária antes dos 30 anos após largar a faculdade de Medicina, idealizou uma máquina engenhosa capaz de realizar exames de sangue abrangentes e de forma rápida, coletando apenas uma quantidade mínima. Ela foi capaz de vender a ideia a investidores experientes e recrutou pessoas com reputação ilibada e credibilidade como administradores. A empresa que fundou, chamada Theranos, chegou a valer US$9 bilhões. Mas ela nunca chegou a concluir o produto que prometera. Seu “sucesso” foi interrompido graças ao esforço de jornalistas investigativos.

Em sua defesa, Holmes insistiu que estava perto de concluir seu projeto, mas teve suas mãos atadas pelo intervencionismo estatal. Algo parecido com o alegado pela Atlas Quantum em ação contra a CVM, culpando o Estado por ter acabado com a festa e, com isso, prejudicado os investidores.

No mágico mundo das startups, agir racionalmente é um defeito e quanto mais atraente for o seu "pitch", quanto mais assertividade e segurança você transmitir, melhor. Obviamente, investidores conservadores exigem mais informações, mas, cedo ou tarde, vieses cognitivos e o medo de ficar de fora falam mais alto e vemos instituições financeiras, dolosa ou culposamente, aportando recursos em projetos duvidosos, com demonstrações financeiras maquiadas e projeções exageradas. No futuro, muitos vão se perguntar como tal loucura foi possível, mas quem testemunha um mercado eufórico sabe que não é difícil vender os "ativos" mais inusitados – veja-se a meme stocks e a meme coins, por exemplo.

Na primeira semana de 2022, sete anos após ter sido denunciada, Elizabeth Holmes foi condenada. Seria mais uma empreendedora que tinha fé genuína no seu negócio ou uma sociopata disposta a fazer o que fosse necessário para ingressar na sala VIP do Vale do Silício?

A Theranos é mais um caso a ser estudado em sala de aula, a ser incluído nos livros que documentam os grandes golpes financeiros — que são usualmente ignorados, pois "desta vez é diferente". Quem perdeu dinheiro fica, como sempre, a ver navios.

A despeito de uma regulação complexa, de empresas de auditoria e de avaliação de riscos, de discursos efusivos sobre governança corporativa e compliance, só nos resta o desencanto de olhar com condescendência as vítimas e com perplexidade os grandes players que, após lamberem as feridas — para alguns, meros arranhões —, levantam-se para o próximo round de apostas.

Reguladores de todo o mundo parecem achar que são maestros, criando ordem no caos do mercado. Céticos ou cínicos dirão que não passam de espantalhos.
Assim como não conseguimos inventar um sistema político mais legítimo que a democracia, parece que não conseguimos pensar em uma forma alternativa de regular o mercado, que não seja o paradigma de um cartório de registro de companhias e ofertas, uma exigência meramente formal de informações, "administração profissional" e burocracia.

Enquanto não reconhecermos a ineficácia da proteção efetiva dos investidores em todo o mundo — para além de punições atrasadas e simbólicas de casos mais dramáticos — e não acreditarmos ser necessário repensar o sentido e o alcance da regulação do mercado, teremos um jogo de dados viciados. Tenha isso em mente ao decidir investir na bolsa e saiba que, exceto por esporádicos golpes de sorte, ainda irá se frustrar, mesmo tendo zerado as suas expectativas.

*Isac Costa é professor do Ibmec e do Insper e sócio do Warde Advogados.

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