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Renato Giovanini: "Brasil traz diferentes caminhos para blindar patrimônio pessoal"

Diante das incertezas que surgem em uma situação como a atual, em que a pandemia de Covid-19 afetou duramente a economia do mundo todo e do Brasil, é natural que empresários, executivos e famílias procurem entender se é possível proteger seu patrimônio pessoal. Daí surge a pergunta: proteção de patrimônio pessoal de fato existe no Brasil?

icone de relogio 27/05/2020 11:50

*Por Renato Giovanini Filho

Diante das incertezas que surgem em uma situação como a atual, em que a pandemia de Covid-19 afetou duramente a economia do mundo todo e do Brasil, é natural que empresários, executivos e famílias procurem entender se é possível proteger seu patrimônio pessoal. Daí surge a pergunta: proteção de patrimônio pessoal de fato existe no Brasil?

A resposta curta é sim. A resposta completa, contudo, requer uma explicação mais detalhada.

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Foto: Jordan Rowland / Unsplash

Por proteção de patrimônio pessoal, há quem se refira à interposição de uma sociedade holding entre os sócios e a sociedade operacional. A providência é boa. Distancia os sócios, especialmente se não forem também administradores, das operações e dos seus possíveis passivos e contingências. Reduz-se a probabilidade de eventual bloqueio online de recursos financeiros. Posterga a responsabilização por desconsideração da personalidade jurídica ou redirecionamento de execução fiscal, dando tempo para o sócio poder organizar a melhor forma possível de se defender.

Mas, no final, não impede a sua responsabilização, notadamente quando se está a falar de dívidas e outras obrigações trabalhistas, tributárias, previdenciárias, consumeristas, ambientais, dentre outras.

Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro contempla mais do que isso. Existem impenhorabilidades de fundamentos jurídicos.

Primeiro, as impenhorabilidades fundadas no caráter alimentar, isto é, a subsistência com dignidade do proprietário do patrimônio.

A primeira, e a mais conhecida, é o bem de família. Que na verdade são dois. Há o bem de família legal (Lei no. 8.009, de 1990), que contempla todo imóvel destinado a habitação, sem luxo ou outros excessos, exigindo do proprietário a sua prova no processo de execução ou outro. E o bem de família convencional (art. 1.711 a 1.722 do Código Civil), feito por escritura pública e averbado na matrícula do imóvel; é limitado a um terço do patrimônio líquido total do proprietário. Este tem uma grande vantagem sobre aquele: o próprio cartório de registro de imóveis afasta a penhora do bem, dispensando produção de prova adicional.

A segunda, e que normalmente gera dúvidas, é a do plano de previdência privada complementar (art. 833, inc. IV, do Código de Processo Civil). Mas é possível ver na prática penhora de recebimentos e montantes relativos à previdência privada; quando ele é impenhorável? Quando tem caráter alimentar. De forma equivalente ao bem de família, que se destina a proteger a moradia do seu proprietário, sem luxo ou excessos, o plano de previdência privada complementar é impenhorável, tanto os valores recebidos a título de aposentadoria quanto o montante depositado para gerá-los, quando se destina à subsistência com dignidade do beneficiário. A prova se dá por prestação de contas. O objetivo é proteger o valor necessário para a pessoa ou a entidade familiar na aposentadoria. Igualmente, sem excessos.

A terceira, que acaba sendo conhecida por quem se torna insolvente, é a da remuneração do trabalho, desde que se comprove que destinada à subsistência hoje (art. 833, inc. IV, do Código de Processo Civil). Eventuais excessos costumam ser penhorados.

A quarta, mas menos relevante, é a das aplicações financeiras de até 40 salários-mínimos (art. 833, inc. X, do Código de Processo Civil).

É de se notar que as impenhorabilidades do bem de família, da remuneração do trabalho e da aposentadoria perfazem uma rede de proteção razoável da subsistência do empresário, executivo e famílias.

Essas impenhorabilidades só não subsistem quando se confrontam com outra prestação de caráter alimentar, como a do pagamento de pensão alimentícia para filhos ou ex-cônjuge.

Segundo, a impenhorabilidade que é gravada na doação de bens ou por testamento, com fundamento na liberdade do doador ou testador em dispor do seu patrimônio. Ela se aplica a quem recebe o bem doado ou por sucessão por falecimento em face de dívidas e outras obrigações suas, e não em face de dívidas e outras obrigações do doador ou testador. E, de forma diferente das impenhorabilidades indicadas acima, com fundamento no caráter alimentar, não tem limite de valor.

Contudo, tal impenhorabilidade normalmente cede diante do crédito trabalhista, em razão do caráter alimentar deste, e do da execução fiscal, em razão de expressa previsão legal nesse sentido (art. 30 da Lei no. 6.830, de 1980, a Lei de Execuções Fiscais).

Assim, essas impenhorabilidades são medidas de proteção de patrimônio que podem ser tomadas no Brasil, sem recorrer a estruturações jurídicas existentes em outros países.

* Renato Giovanini Filho é advogado, sócio do escritório Abe Giovanini Advogados

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