A ação da Ambev registra forte queda no pregão desta quarta-feira após notícia divulgada pela “Veja” que as inconsistências nas demonstrações financeiras que fazem a Americanas protagonizar um escândalo financeiro podem estar presentes também na Ambev, outra empresa sob o guarda-chuva do trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, sócios da 3G Capital. Às 13h12 (horário de Brasília), o papel ABEV3 caía 4,53% a R$ 13,04 e é a principal queda do Ibovespa, que recuava 1,49%.
A reportagem informa que estudo contratado pela CervBrasil aponta um rombo estimado em R$ 30 bilhões em manobras tributárias feitas por empresas de bebidas, segundo dado da Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), que representa produtores menores do que a Ambev.
Enquanto o caso das Americanas envolve uma dívida bilionária com bancos, no caso da Ambev a dívida seria com impostos federais, estaduais e municipais, diz o dirigente da associação.
Procurado para confirmar as informações, o diretor-geral da CervBrasil, Paulo Petroni, enviou o seguinte posicionamento:
“CervBrasil se preocupa com o caso das Lojas Americanas. O recente escândalo financeiro das Lojas Americanas foi mais um grande sinal de alerta quanto as práticas de “governança” e “estilo de gestão” (se é que se pode chamar assim) utilizados nas empresas sob o comando dos multibilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.
Preocupa, por exemplo, como que os riscos da administração tributária da Ambev estão sendo adequadamente e de forma transparente reconhecidos nos seus demonstrativos de resultados. A afirmação é da Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), que representa produtores de bebidas menores do que a Ambev e acompanha, desde 2017, as frequentes autuações por ilícitos tributários realizadas pela Receita Federal do Brasil no setor de bebidas.
Será que teremos um susto ainda maior para os investidores minoritários, empregados, fornecedores e a extensa cadeia de comércio ligada ao negócio da cerveja?
O diretor-geral da CervBrasil, Paulo Petroni, destaca que acompanha os relatórios de fiscalização da Receita Federal desde 2017, onde são claramente apontados “bilhões e bilhões e bilhões” de ilícitos tributários cometidos pelos fabricantes de concentrados de refrigerantes na Zona Franca de Manaus.
Um comportamento já contumaz de desrespeito aos PPBs (Processos Produtivos Básicos) estabelecidos, os quais devem ser cumpridos para o correto desenvolvimento da Região Norte do País.
“É um tremendo desrespeito o que fazem com a ZFM e com os Brasileiros, cometendo ilícitos tributários com claro objetivo de aumentar em muito os benefícios indevidamente recebidos, entregando muito pouco de fato para o desenvolvimento da Região Norte.
“Se escondem embaixo do manto sagrado da Zona Franca de Manaus para aumentar em Bilhões seus lucros, através de operações ilícitas, fortemente questionadas e autuadas pela Receita Federal”,como apontam os Relatórios de Fiscalização do órgão.
Segundo Petroni, a complexa fórmula usada pelos grandes fabricantes de concentrados de refrigerante como a Ambev é chamadas pela Receita Federal de planejamento tributário abusivo e “classificação fiscal indevida”.
No último relatório, disponibilizado em novembro de 2022, a Receita definiu o esquema como o inflacionamento do preço de componentes necessários à produção do refrigerante e que são passíveis de isenção e geração de créditos fiscais. Assim, a empresa acumula, irregularmente, mais créditos tributários de impostos não pagos do que teria direito, desfalcando o erário e lucrando muito mais.
No relatório, uma das conclusões da Receita Federal é que nesse contexto, utiliza-se o artifício de supervalorizar o preço do concentrado, uma vez que seu fabricante é beneficiário de incentivos aplicáveis à Zona Franca de Manaus, para a obtenção de créditos tributários sem o ônus correspondente.
Essas vantagens fiscais indevidas, além do prejuízo ao Erário público, implicam concorrência desleal no mercado de refrigerantes e bebidas não alcoólicas, se estendendo para todo mercado de bebidas Brasileiro, dado o tamanho da operação.
O parecer elaborado em 2022 da AC Lacerda Consultores aponta que, além do desfalque em impostos federais, o complexo esquema frustra os propósitos de desenvolvimento da Região Amazônica, uma vez que deixa de prestar a devida contrapartida.
Além disso, desfalca o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e a arrecadação do ICMS de todos os estados do país. “Como se não bastasse tudo isto, consequências de anos de práticas aniquilaram a concorrência no mercado de produtores de bebidas em todo o Brasil, diz o relatório da consultoria.
E aí, fica aqui a pergunta que não quer calar: Quem ficou bilionário explorando o Guaraná nestes últimos 20 anos, os acionistas da 3Gou os nossos irmãos da Região Amazônica?”
AMBEV
A Agência CMA procurou a Ambev, que divulgou o seguinte posicionamento: “As acusações da
Cervbrasil não têm qualquer embasamento. Calculamos todos os nossos créditos tributários estritamente com base na lei. Nossas demonstrações financeiras cumprem com todas as regras regulatórias e contábeis, as quais incluem a transparência do contencioso tributário. A Ambev está entre as 5 maiores pagadores de impostos no Brasil.”
A companhia informou que os dados estão reportados em seu relatório 20-F, na “Nota 31 Contingências.”
ANÁLISE
Em relatório após ter sido consultado por vários clientes sobre a notícia, o BTG Pactual comentou que a discussão é uma notícia velha que está sendo requentada por conta do rombo contábil da Americanas.
A CervBrasil é a associação que representa o Grupo Petrópolis (GP) e outras cervejarias brasileiras menores, que têm sido historicamente vocais contra os créditos tributários gerados por empresas como Ambev e Coca-Cola na produção de concentrados de refrigerantes na Zona Franca de Manaus (ZFM), diz o BTG.
“Basicamente, as empresas que operam na ZFM estão isentas do IPI, mas quem compra concentrado deles ainda consegue reconhecer créditos tributários com base na alíquota nominal do IPI. Os R$ 30 bilhões mencionados no artigo na verdade, referem-se a estimativas da Receita Federal do Brasil relacionadas a reivindicações de impostos acumulados em disputa entre o fisco e as empresas de bebidas. Parte deste valor eventualmente relacionado à Ambev é indiscutivelmente muito menor”, diz a análise.
Segundo o BTG, desde a gestão do ex-presidente Michel Temer, o governo federal vem tentando reduzir alíquota de IPI sobre concentrados para tentar reduzir tal distorção. A alíquota nominal caiu de 20% em agosto de 2018 para 8% agora, o que significa que boa parte do benefício já está perdido.
O banco cita que, na verdade, essa é uma razão importante para a pressão de margem que as engarrafadoras da Coca-Cola que operam no Brasil sentiram nos últimos anos.
No caso da Ambev, o impacto deve ser ainda menor dado o tamanho dos negócios de bebidas não alcoólicas (NAB, na sigla em inglês) para todo o negócio (7% do nosso ebitda consolidado estimado para 2022). “Então, qualquer discussão relativas a eventuais mudanças no funcionamento da ZFM devem ser bastante diluídas”, avalia o BTG.
Com base nos resultados dos terceiro trimestre, a Ambev tem R$ 5,6 bilhões de perdas possíveis relacionadas a créditos fiscais associados a Zona Franca de Manaus (pouco menos de 3% do valor de mercado) e o BTG acha provável que, se esses créditos deixarem de existir, as empresas provavelmente repassarão parte desses custos aos preços.
“Para nós, os maiores riscos para os resultados da Ambev decorrem de uma uma reforma tributária potencialmente mais ampla que possa enfrentar os incentivos fiscais associados aos pagamentos de Juros sobre Capital Próprio, a força da indústria cervejeira em meio a uma economia em desaceleração e efeitos de tradução de Argentina. Portanto, pensamos que esse ruído em particular está sendo muito exagerado, mas permanecemos neutros quanto às ações da Ambev”, finalizam os analistas.
Cynara Escobar / Agência CMA
Imagem: divulgação
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