A Marfrig (MRFG3) foi acusada de comprar gado criado ilegalmente em território indígena. Uma reportagem publicada nesta quinta-feira (22/9) mostra que uma fornecedora do frigorífico ocupa terras do povo indígena Mỹky, em Mato Grosso, de forma ilegal.
A investigação foi feita pela agência britânica Bureau of Investigative Journalism e pelo site brasileiro O Joio e o Trigo. O caso começou a ser analisado há 6 anos. Com o uso de imagens de satélite, a reportagem mostra as perdas de floresta dentro dos perímetros das fazendas das quais a Marfrig compra gado — para sua unidade de Tangará da Serra — e uma sobreposição das fazendas ao território indígena Menku, do povo Mỹky.
Em resposta à reportagem, a Marfrig afirmou que não produz nem compra de fornecedores que produzem em terras indígenas ou que trabalham com desmatamento ilegal, mas fez um adendo: a empresa reconhece como indígenas as terras demarcadas como tal pela Presidência da República.
O território indígena em questão não teve sua demarcação homologada pela Presidência. Desde o início do mandato do presidente Jair Bolsonaro, a demarcação de novas terras indígenas foi suspensa.
A analista jurídica do think tank Climate Policy Initiative, Cristina Leme, ouvida pela reportagem, afirma, no entanto, que mesmo que a demarcação da terra não esteja homologada, ela é protegida pela Constituição.
“A Constituição protege todas as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, independentemente da etapa de regularização. Portanto, não há justificativa, do ponto de vista constitucional, para permitir a inscrição de CAR (Cadastro Ambiental Rural) sobreposto à TI Menku”, afirmou a especialista.
Violação prevista em documento
A violação a direitos indígenas por parte de seus fornecedores, entretanto, já é algo praticamente previsto pela Marfrig, de acordo com documentos aos quais o Monitor do Mercado teve acesso.
Ao informar seus investidores sobre possíveis riscos do negócio, a empresa cita diretamente a possibilidade de seus fornecedores usarem trabalho análogo à escravidão, desrespeitarem os direitos de indígenas e de outras minorias, bem como o risco de fazerem desmatamento ilegal.
“A Companhia também enfrenta riscos de caráter socioambiental, como a eventual associação da Companhia com fornecedores que possuam práticas que desrespeitem os direitos humanos (trabalho escravo ou análogo; desrespeito aos direitos indígenas e de minorias), ou ainda que utilizem áreas ambientalmente protegidas sem autorização e áreas embargadas não propriamente divulgadas, podendo intensificar o desmatamento ilegal na Amazônia e em outros biomas impactando diretamente a biodiversidade”, diz o documento entregue à CVM (que fiscaliza o mercado de capitais) .
De certa forma, a Marfrig “lava as mãos” em relação à sua responsabilidade sobre a questão, dizendo que “não pode garantir que seus fornecedores estejam em cumprimento com todas as legislações que lhe são aplicáveis”.
A reportagem publicada nesta quinta conectou a produção da Marfrig em Tangará da Serra a outros grandes nomes do comércio mundial, como a Nestlé, o McDonald’s e Burger King. A Nestlé usaria a carne produzida nas fazendas do território Mỹky para suas papinhas, rações para animais e temperos.
A gigante, entretanto, afirmou à reportagem que se desvinculou deste fornecedor em 2021 e que sua “ambição é alcançar e manter uma cadeia de fornecimento livre de desmatamento para nossos principais ingredientes em 2022”.
McDonald’s afirmou que entre 2021 e 2022 não teve em sua cadeia de suprimentos, fazendas ligadas ao território do povo Mỹky e o Burger King se recusou a discutir fornecedores estratégicos.
Neste ano, as ações MRFG3 já caíram 46%, saindo de R$ 21,17 em janeiro para os atuais R$ 11,44.
*Imagem: Piqsels.com