O presidente Jair Bolsonaro reiterou sua defesa do voto impresso nas próximas eleições como forma de assegurar que não houve fraude. A proposta é considerada contraproducente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e seu presidente, o juiz Luís Roberto Barroso, que veem na impressão do voto a abertura para possibilidades de fraude que não existem hoje.
Em uma transmissão ao vivo feita ontem, Bolsonaro voltou a defender a impressão de um comprovante de voto pelas urnas eletrônicas – o que ele chama de “voto auditável” -, e disse que há algumas falsificações no resultado das eleições que hoje não podem ser detectadas com os sistemas oferecidos pelo TSE.
“O pessoal usa colinha em tela e no teclado [da urna] em local mais humilde. O cara vai lá, bota uma cola, um pinguinho de cola no número 7. Quem quer votar no 17 não consegue, e o pessoal é humilde, é pobre, não tem muita informação, acaba votando no outro, ou não votando, e vai embora”, disse Bolsonaro.
Segundo Bolsonaro, a impressão dos votos pelas urnas eletrônicas associada à publicação dos resultados de cada seção eleitoral na Internet permitirá detectar este tipo de falsificação. “O que vai acontecer com esta proposta? Vai poder fazer trabalho em seções eleitorais do Brasil todo. Olha lá pelo computador: ‘espera aí, nessa seção eleitoral votaram 300 pessoas. Nenhum candidato com número 7 teve voto'”.
Bolsonaro disse que o TSE “nunca se preocupou” com isso, e novamente alegou que houve fraude nas eleições anteriores no Brasil.
“Eu mais do que desconfio, eu tenho convicção de que realmente tem fraude. As informações que nós tivemos aqui – talvez a gente venha a disponibilizar um dia -, é que em 2014 o Aécio [Neves] ganhou as eleições, e em 2018 eu ganhei em primeiro turno”, disse o presidente, mais uma vez sem apresentar evidências para as acusações.
VOTO IMPRESSO
O voto impresso está sendo debatido na Câmara dos Deputados e vem sendo defendida principalmente por deputados bolsonaristas, que dizem haver possibilidade de fraude nas urnas, apesar de o TSE negar a acusação. A proposta está ganhando apoio político porque os demais congressistas não querem que suspeitas infundadas de fraude nas urnas eletrônicas sirvam como argumento para contestar o resultado eleitoral.
Na semana passada, o presidente do TSE, um crítico do voto impresso, disse aos deputados que “se o Congresso Nacional decidir que deve haver o voto impresso e o Supremo validar, vai haver o voto impresso. Mas vai piorar, a vida vai ficar bem pior.”
Ele defendeu a manutenção do sistema atual de urna eletrônica e citou os dois principais problemas que enxerga na adoção do voto impresso. O primeiro seria o fim do sigilo do voto, porque a impressão exibiria a composição das escolhas feitas na urna e, em caso de compra, mesmo sem permitir identificar nominalmente o eleitor, servirá de comprovante de que o voto foi entregue.
O outro problema, segundo Barroso, é criar um risco de fraude. “Nós vamos restabelecer um mecanismo em que vamos ter que cuidar do transporte de 150 milhões de votos físicos, do armazenamento de 150 milhões de votos impressos e, depois, da recontagem desses votos. Se todos estiverem lembrados, as fraudes vêm sobretudo do momento da recontagem e do engravidamento de urnas, do desaparecimento de urnas. Portanto, nós vamos retornar ao mundo do qual nós nos livramos”, afirmou.
Ele ressaltou que a existência de um voto impresso abre precedente para que o candidato derrotado nas urnas peça a recontagem de votos, e que isso se agrava ao se considerar o total de candidatos aos cargos eletivos em todo o Brasil.
URNA ELETRÔNICA E AUDITORIA
O Brasil usa uma urna de votação eletrônica desde 1996 em todas as suas eleições. As urnas operam de forma independente, colhem os resultados e geram um relatório local dos votos. Cada relatório então é enviado aos tribunais eleitorais, responsáveis pela contabilização dos resultados obtidos nas várias urnas.
O processo de programação e fiscalização das urnas começa cerca de um ano antes das eleições, com o Teste Público de Segurança. Neste teste a urna é entregue fisicamente a um conjunto de entidades para que elas tentem violar o sistema. Caso alguma delas consiga, as falhas são consertadas.
A partir daí, o TSE convida partidos políticos e técnicos para examinarem o programa das urnas. Se ninguém fizer ressalvas ao código, prossegue-se para a etapa de “assinatura digital”, em que várias autoridades e os representantes dos partidos inserem suas respectivas autorizações para o programa rodar. Em seguida, esse programa é blindado para que não funcione se for adulterado.
O programa é então enviado aos estados, onde os tribunais regionais eleitorais instalam o programa em cada uma das urnas durante uma sessão pública em que se verifica se o programa que está sendo instalado é o mesmo enviado pelo TSE e assinado digitalmente. Se não for esta versão, o programa da urna não funciona.
As urnas então são encaminhadas para as sessões eleitorais, onde antes do início da votação é impresso um boletim chamado “zerésima”, um extrato para demonstrar que não há nenhum voto dentro daquela urna. No fim da votação, às 17h, é impresso o chamado “boletim de urna”, que mostra o resultado da eleição naquela urna. Este boletim é entregue aos fiscais e a eventuais candidatos presentes, e tornado público na sessão eleitoral e na Internet.
O TSE recebe em seguida todos os boletins de urna para fazer uma contabilização central das eleições – ou seja, se os valores da contabilização da urna e da contabilização central não baterem, fica evidente que houve algum problema. A transmissão dos dados é feito via uma rede privada e criptografada.
Além disso, no dia das eleições, há um teste de integridade em que urnas sorteadas aleatoriamente são auditadas via registro digital do voto – um arquivo que fica dentro da urna, que tem todos os votos sem a identificação do eleitor.
Gustavo Nicoletta / Agência CMA (g.nicoletta@cma.com.br)
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