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Caos na Inglaterra é (mau) exemplo para Lula e Bolsonaro

Os chamados déficits gêmeos têm um efeito devastador em qualquer economia do planeta. Rombos nas contas públicas e nas contas externas mais se assemelham aos ciclopes, que na mitologia grega representam gigantes imortais com apenas um olho na testa.

icone de relogio 29/09/2022 16:52

*Por Coriolano Gatto

Os chamados déficits gêmeos têm um efeito devastador em qualquer economia do planeta. Rombos nas contas públicas e nas contas externas mais se assemelham aos ciclopes, que na mitologia grega representam gigantes imortais com apenas um olho na testa.

Nos anos 1980, os liberais Ronald Reagan, o presidente americano, e Margaret Thatcher, a primeira ministra inglesa, promoveram déficits brutais a ponto de receberem críticas de um outro liberal, o ex-ministro Mario Henrique Simonsen, no clássico livro “Ensaios Analíticos” (FGV Editora).

Há muitas estatísticas sobre o naufrágio das duas economias, mas Reagan sentiu os efeitos da sua irresponsabilidade fiscal _ redução de imposto e aumento de gastos militares, no famoso projeto Guerra nas Estrelas. Como um ciclone, a vingança do mercado financeiro veio em 19 de outubro de 1987, uma segunda-feira, quando o Índice Dow Jones, termômetro da Bolsa de Nova York, despencou 22,6%. Com isso, caiu o mito de que governos conservadores têm compromisso com a responsabilidade fiscal e progressistas são alinhados à gastança desenfreada.

A primeira ministra inglesa Liz Truss _ uma versão muito piorada de Thatcher _ foi brindada com uma capa eivada de raiva e ironia pela insuspeita The Economist. Truss comanda um barco à deriva que terá efeitos devastadores no mercado imobiliário comercial da City, a Faria Lima dos ingleses, já abalada pelos efeitos da pandemia.

Não há ainda uma estatística precisa, mas o icônico prédio Gherkin, comprado pelo banqueiro Joseph Safra em 2014 por mais de 700 milhões de libras (R$ 2,6 bilhões à cotação da época ou R$ 4,1 bilhões corrigidos pelo IPCA) pode fazer jus à tradução livre do nome do edifício em forma de ogiva: pepino.

Crises fiscais de grande envergadura _ o Brasil enfrentou uma série delas nos anos 1980 e 1990 _ arrastam o mercado de real state, como um tsumani. E a recuperação pode demorar algumas décadas, como ocorreu no Japão. Não à toa que um adágio atribuído a Joseph Kennedy, pai do ex-presidente americano, diz que o momento ideal para comprar imóvel é aguardar o banho de sangue nas ruas.

Ocorre que recessões ou desacelerações na atividade econômica podem ser longas. O crash de 1929 no Bolsa de Nova York só foi revertido depois da Segunda Guerra Mundial, em 1945, após quase quatro mandatos seguidos de Franklin Delano Roosevelt, o democrata atento à responsabilidade fiscal. Como se sabe, os anos 1920, escreveu Gore Vidal, foi pautado pelos governos mais corruptos e liberais da América, no seu clássico livro “Washington, D.C.”

O Brasil, independentemente do vencedor das eleições presidenciais, não pode cair na armadilha de manter juros elevados _ custam hoje 6,4% do PIB segundo o Ministério da Economia _ nem promover enormes gastos para agradar a grupos de interesse, que, historicamente, vivem à sombra do Estado.

É preciso, isto sim, ter a coragem para promover uma reforma tributária racional, que tribute a riqueza e desonere a produção sem cometer barbeiragens que custem o preço caro que os ingleses vão pagar na mais espetacular queda de sua moeda.

O capital é covarde e apátrida, dizia Eliezer Batista, o criador da mineradora Vale, e fareja, como um cão que busca encontrar a maior trufa, as melhores oportunidades de investimento.

*Coriolano Gatto é jornalista

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