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Apesar de não ser inovador como esperado, novo Marco Legal do Câmbio ajuda a fomentar o mercado

Principais inovações trazidas pelo novo Marco Legal e como elas fomentam o mercado, junto com reflexões sobre a regulamentação a ser implementada ao longo de 2022 pelo Conselho Monetário Nacional (“CMN”) e pelo BCB

icone de relogio 13/04/2022 11:40

Rodrigo Motta, Lucas Andrade e Vinicius Oliveira*

No final do ano passado, após uma tramitação de pouco mais de dois anos no Congresso Nacional, foi publicada a Lei nº 14.286, de 29 de dezembro de 2021, que moderniza, simplifica e consolida a legislação existente sobre o mercado de câmbio, os capitais brasileiros no exterior e os capitais estrangeiros no País (“MLC”).


Conforme divulgado pelo Banco Central do Brasil (“BCB”), o MLC revoga, total ou parcialmente, uma série de instrumentos legais e consolida dispositivos esparsos sobre a matéria, totalizando mais de 400 artigos e 40 dispositivos legais agora se resumem a 29 artigos na nova lei.


A seguir trataremos das principais inovações trazidas pelo novo Marco Legal, bem como algumas reflexões sobre a regulamentação infra legal a ser implementada ao longo de 2022 pelo Conselho Monetário Nacional (“CMN”) e pelo BCB


Quais foram as principais inovações trazidas pelo MLC?
Além de revogar diversas leis, decretos e normativos esparsos, o MLC propõe uma série de mudanças que visam simplificar e atualizar a linguagem normativa, bem como reduzir a burocracia e garantir uma maior segurança jurídica.


Dentre as principais mudanças propostas pelo MLC, destacam-se: (i) a utilização de recursos captados no Brasil, por instituições autorizadas; (ii) a possibilidade de elaboração de contratos com pagamento estipulado em moeda estrangeira; (iii) a abertura de conta bancária local em moeda estrangeira; (iv) o envio e a liquidação de ordens de pagamento em reais enviadas para o exterior; (v) A facilitação no envio de remessas ao exterior, a título de pagamento de royalties; (vi) a compensação privada de créditos ou de valores entre residentes e não residentes; e (vii) o porte de dinheiro por parte de pessoas físicas.


No que diz respeito ao item (i), o artigo 15 do MLC permite que instituições financeiras e as demais instituições autorizadas a funcionar pelo BCB utilizem os recursos captados no Brasil e no exterior para alocar, investir, financiar e destinar para operação de crédito e de financiamento, no território nacional ou estrangeiro, desde que observados requisitos e limites de regulamentos editados pelo CMN e pelo BCB.


Já em relação ao item (ii), cabe o destaque ao artigo 13 do novo diploma legal que acabou por consolidar as hipóteses já previstas legalmente de elaboração de contratos com pagamento estipulado em moeda estrangeira, além de trazer hipóteses pontuais em que a estipulação de pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis no Brasil passou a ser permitidas.


Em relação ao item (iii), tem-se que com o MLC pessoas físicas e jurídicas que estejam de acordo com os requisitos estipulados pelo BCB poderão abrir e movimentar uma conta nacional com valores em moeda estrangeira.


Por sua vez, o item (iv) estipula que os bancos autorizados a operar no mercado de câmbio poderão enviar ordens de pagamento de terceiros em reais ao exterior, por meio de contas em reais mantidas nos bancos de titularidade de instituições domiciliadas ou com sede no exterior e que estejam sujeitas à regulação e à supervisão financeira em seu país de origem. Tal regra não é autoaplicável. Para que ela tenha eficácia, deve-se respeitar os termos do regulamento a ser editado pelo BCB. Anteriormente, essa possibilidade era limitada aos residentes e domiciliados no exterior transitoriamente no país e aos brasileiros residentes ou domiciliados no exterior.


Sobre o item (v), é importante destacar que as remessas feitas ao exterior, a título de pagamento de royalties, dentre outras finalidades, poderão ser feitas sem a necessidade de registro prévio perante o BCB. Dessa forma, a única obrigação por parte do remetente é o pagamento do imposto devido em virtude da remessa.


Já o item (vi) traz a possibilidade de empresas possuírem autorização para a realização de compensação privada de créditos entre residentes e não residentes, nas hipóteses que vierem a ser regulamentadas pelo Banco Central. A expetativa é que tais compensações tenham reflexos fiscais que resultem na diminuição da carga tributária suportada pelas empresas.


Por fim, o item (vii) aumentou o limite de dinheiro vivo que cada pessoa física pode portar ao sair ou entrar no Brasil, sem necessidade de declarar o valor a Receita Federal. Assim, o valor que era de R$ 10 mil passou a ser de US$ 10 mil.


O montante pode ser em qualquer outra moeda estrangeira desde que respeitado o limite de 10 mil dólares. Além disso, as operações de compra ou venda de moeda estrangeira em espécie, no valor de até US$ 500,00 ou seu equivalente em outras moedas, realizadas no Brasil, poderão ocorrer de forma eventual e não profissional, entre pessoas físicas.


Além das inovações trazidas expressamente no Marco Legal do Câmbio, necessário destacar também que o novo dispositivo legal trouxe revogações que também visam fomentar o mercado de câmbio nacional.


Dentre elas destacamos as seguintes revogações de maior relevância: (i) revogação do dispositivo que proibia bancos estrangeiros de comprar mais de 30% das ações com direito a voto de bancos nacionais, se a matriz do comprador for em país no qual a legislação imponha restrições ao funcionamento de bancos brasileiros; (ii) revogação do dispositivo que proibia a remessa de “royalties” pelo uso de patentes de invenção e de marcas de indústria ou de comércio entre filial ou subsidiária de empresa estabelecida no Brasil e sua matriz com sede no exterior ou quando a maioria do capital da empresa no Brasil pertença aos titulares do recebimento dos "royalties" no estrangeiro; (iii) revogação de dispositivos da Lei n. 6.099/74 que resulta em uma desburocratização das operações de leasing com entidades domiciliadas no exterior; (iv) revogação do Imposto Suplementar Sobre a Renda previsto no art. 56 da Lei n. 4.131/62, que tratava da renda obtida com a venda de imóveis quando o proprietário for pessoa física ou jurídica residente ou com sede no exterior.


Reflexões...
Além dos efeitos diretos trazidos pelo Marco, importante destacar também aqueles efeitos indiretos que a edição do novo normativo pode gerar.


Neste contexto, cabe mencionar as discussões que foram travadas no Congresso sobre a possibilidade do Marco gerar uma dolarização da economia brasileira (assim como ocorreu na Argentina). Entretanto, segundo o relator do projeto de lei “Não há essa possibilidade, pois são oferecidos instrumentos ao BCB para o devido controle”. Entendemos no mesmo sentido, pois, por mais que o MLC tenha facilitado a entrada de dólar e desburocratizado as operações de câmbio, ainda deixou muito sob o controle dos órgãos reguladores (CMN e BCB) as matérias ali tratadas, o que dificulta em muito uma possível dolarização da economia brasileira.


Além disso, um dos possíveis efeitos decorrentes da nova legislação pode ser em facilitar a criação do PIX internacional (conforme já previsto pelo presidente do BCB em novembro do ano passado), tendo em vista a facilitação da circulação do real fora do país.


Por fim, o MLC ainda poderá facilitar a implementação do "real digital" (que nada mais é do que o real que não pode ser convertido em cédula, mas apenas utilizado no “mundo digital”) já em desenvolvimento pelo Banco Central. Isso porque de um lado o Marco Legal desburocratiza as operações em real no mercado internacional e do outro lado “real digital” facilitaria que as operações cambiais ocorram (resultando em uma diminuição de custos para as empresas).


O que podemos esperar com o MLC?
Ainda há muito que se discutir sobre o Marco Legal do Câmbio, pois, como é possível verificar no decorrer dos dispositivos da nova legislação, as regulamentações das regras cambiais ficaram, em grande parte, destinada aos órgãos reguladores (BCB e CMN), não sendo possível, ainda, ter uma exata noção do caminho que será dado ao mercado cambial nacional.


Entretanto, entendemos que o Marco legal do Câmbio deve sim ser tratado com bons olhos, na medida em que as inovações por ele trazidas (especialmente as comentadas no presente artigo) possuem relevância significativa quando o assunto é facilitar e fomentar o crescimento das operações realizadas no mercado cambial.


Isso porque, em que pese o MLC não possuir um aspecto tão inovador como esperado, acaba por dar diretrizes bem consistentes para que seja possível (i) dar uma maior abertura para as operações de câmbio, (ii) diminuir as burocracias para tais operações, (iii) incentivar a circulação maior do dólar no mercado interno e do real no mercado externo, (iv) além do que pode ajudar a implementar novos projetos já em discussão (como o “PIX Internacional” e o “real digital”).


*Rodrigo Motta é sócio do Ferraz de Camargo e Matsunaga Advogados (FCAM)
Lucas Andrade é advogado do Ferraz de Camargo e Matsunaga Advogados (FCAM)
Vinicius Oliveira é advogado do Ferraz de Camargo e Matsunaga Advogados (FCAM)

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