Por Rodrigo Lazaro*
A Medida Provisória nº 1.303, publicada em 11 de junho de 2025, inaugurou um novo capítulo na tributação brasileira sobre investimentos financeiros e operações estruturadas.
Anunciada como uma medida compensatória à não-elevação do IOF, a MP trouxe profundas alterações na incidência do Imposto de Renda (IR), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e IOF em diversos setores, com impactos diretos para pessoas físicas, fundos de investimento, fintechs, o agronegócio, o setor imobiliário e o mercado de apostas esportivas.
IOF como ponto de partida e não de chegada
A proposta original do Governo Federal previa o aumento das alíquotas do IOF para operações de crédito com pessoas jurídicas — de 0,38% para até 1,38%. A repercussão foi negativa: o setor empresarial reagiu fortemente, alegando impacto no custo do capital, nas cadeias produtivas e no crédito corporativo.
Com isso, o Executivo recuou da majoração e optou por uma solução alternativa: compensar essa perda potencial de receita com um redesenho na tributação do mercado financeiro.
A MP 1.303/2025 nasce, assim, como resposta à busca por equilíbrio fiscal, mas o faz por meio de uma reformulação estrutural da carga tributária sobre investimentos, fundos, produtos isentos e instituições.
Analisando os principais dispositivos da MP 1.303/2025, percebemos que a Medida Provisória abrange uma ampla gama de alterações.
Entre os dispositivos mais relevantes se destacam:
- Artigo 2º: estabelece a redução da alíquota do IOF nas operações de crédito realizadas por pessoas jurídicas, equiparando-a à aplicada às pessoas físicas, fixada em 0,38%. Além disso, elimina a cobrança da alíquota fixa anteriormente incidente sobre operações estruturadas na modalidade de “risco sacado”.
- Artigo 3º: Isenta de IOF os investimentos estrangeiros diretos no Brasil, incentivando a entrada de capital produtivo.
- Artigo 4º a 6º: Passa a incidir IOF sobre VGBL (previdência privada) em aportes que excedam R$ 300 mil por seguradora (R$ 600 mil em 2026).
- Artigo 7º: Determina a incidência de IR de 5% a partir de 2026 sobre produtos isentos até então: LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures incentivadas.
- Artigo 8º: Aumenta a CSLL de instituições financeiras não bancárias (como fintechs) de 9% para 15%; eleva a tributação sobre JCP de 15% para 20%.
- Artigo 10º: Eleva de 12% para 18% a alíquota sobre a receita bruta dos operadores de apostas esportivas (bets), com 6% destinados à seguridade social
Impactos da MP sobre pessoas físicas
Um dos impactos mais diretos da MP 1.303 se dá sobre os investidores pessoas físicas. Produtos historicamente isentos de IR — como LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures incentivadas — passarão a ser tributados a partir de 2026.
A alíquota inicial de 5% pode ser considerada baixa, mas rompe com uma política de incentivos fiscais a setores estratégicos (crédito rural, habitação, infraestrutura). A medida também dificulta o planejamento de longo prazo do investidor conservador, que buscava nesses papéis segurança e rentabilidade líquida.
Outro ponto de destaque é a limitação da isenção do IOF sobre VGBL. Com a nova regra, o investidor que aportar acima de R$ 300 mil em um mesmo ano por seguradora passará a pagar IOF sobre o excedente, afetando a estratégia de alocação de recursos voltados à previdência complementar privada.
A proposta de aplicar uma alíquota única de 17,5% do Imposto de Renda sobre aplicações em renda fixa, fundos exclusivos e investimentos em renda variável revela uma intenção do governo de promover maior uniformidade tributária entre diferentes tipos de ativos financeiros.
Apesar de apontar para uma simplificação do sistema, essa padronização pode acabar onerando perfis de investidores mais conservadores ou aqueles que mantêm investimentos por prazos mais extensos.
Fundos estruturados e exclusivos: uma reconfiguração profunda
Os FIDCs, fundos exclusivos e fundos de investimentos em participações (FIPs) também são alvos claros da MP. A imposição do IOF nas aquisições primárias e a padronização da alíquota de IR provocam impacto imediato na estruturação desses veículos.
Para os FIDCs, amplamente utilizados no financiamento do middle market, o custo fiscal adicional pode desincentivar sua utilização, empurrando empresas de médio porte para alternativas bancárias mais onerosas.
Os fundos exclusivos, tradicionalmente empregados por investidores de alta renda, passam a sofrer impactos com os novos encargos fiscais, o que compromete parte de sua atratividade como ferramenta estratégica.
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Entre os setores penalizados, a MP impacta diretamente o agronegócio, o setor imobiliário e a previdência. A revogação da isenção sobre os títulos do agronegócio e do setor imobiliário acende o alerta para desestímulo desses produtos.
As LCAs e LCIs sofrem impacto direto na medida em que elevam o custo de captação das instituições financeiras que atuam no financiamento rural e habitacional.
Da mesma forma, os papéis de crédito privado como CRIs e CRAs, essenciais para operações de securitização e estruturação de funding, tendem a perder competitividade no mercado diante da nova tributação.
Com a nova alíquota de IR, os emissores precisarão oferecer taxas brutas mais altas para manter a atratividade líquida, o que poderá elevar o custo final do crédito para o tomador. A consequência pode ser uma retração de crédito ou aumento de preços em cadeias dependentes dessas estruturas.
Fintechs e inovação financeira sob ataque fiscal
As instituições não bancárias, especialmente as fintechs, passam a ser tributadas com uma CSLL majorada de 9% para 15%. Para startups financeiras que ainda operam em expansão e sem lucro recorrente, esse aumento compromete margens e pode afetar o crescimento.
A medida contrasta com o discurso público do governo de fomento à inovação e à bancarização. Em vez de criar um regime fiscal simplificado ou transitório para essas empresas, a MP as equipara a grandes instituições financeiras tradicionais.
O mercado de apostas esportivas, regulamentado recentemente, também foi alvo da MP. A elevação da alíquota sobre a receita líquida dos operadores para 18%, com 6% destinados à seguridade social, é uma medida que busca redistribuição e financiamento social.
No entanto, sem uma fiscalização eficaz, a medida pode incentivar a atuação de operadores ilegais que não se submetem à regulamentação nacional. Isso gera concorrência desleal e perda de arrecadação.
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A utilização de Medida Provisória para alterações fiscais complexas é uma das maiores críticas à MP 1.303. Reformar profundamente o sistema tributário sobre investimentos e operações financeiras por meio de um instrumento sem análise legislativa acurada do Senado e Câmara, sem participação popular e com validade limitada, compromete a segurança jurídica dos contribuintes e a estabilidade institucional das regras do jogo para investidores locais e estrangeiros.
A MP evita temas importantes, como a construção de um modelo progressivo de tributação sobre a renda passiva e a consolidação da base tributária em um sistema unificado de IR para aplicações financeiras.
Assim, a MP 1.303/2025 representa, sem dúvida, um avanço em termos de arrecadação e tentativa de equidade. Entretanto, ela falha na forma, no método e no conteúdo de longo prazo.
Ao reformar por medida provisória, sem projeto de lei estruturado, o governo abre precedente perigoso e desorganiza o planejamento tributário do país.
Se a intenção é construir um sistema mais justo e eficiente, será necessário ir além de medidas compensatórias e propor um modelo coerente, amplamente debatido e constitucionalmente sólido.
Do contrário, permaneceremos presos ao ciclo de improvisações fiscais que sacrifica previsibilidade, segurança jurídica e crescimento econômico sustentável.
*Rodrigo Lazaro é especialista em Direito Tributário, juiz contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo e sócio da FCR Law.