Base para a existência do bitcoin, o sistema blockchain vem, aos poucos, se “descolando” do universo das criptomoedas e ganhando força própria, como um modelo capaz de oferecer novas possibilidades tecnológicas ao mercado financeiro.
A blockchain é, em resumo, um registro imutável de toda e qualquer alteração de um arquivo digital, que permite a criação de arquivos “originais” e rastreáveis.
Comprovando a força dessa tecnologia, as principais entidades reguladoras do setor no Brasil, o Banco Central (Bacen) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já liberaram seu uso no âmbito de seus respectivos sandboxes regulatório (espécie de área de testes). E a ANBIMA, principal entidade representativa do setor financeiro, divulgou, recentemente, um paper sobre o assunto e sobre a chamada tokenização de ativos.
O conceito, em si, é relativamente simples. Trata-se de transformar ativos, títulos ou participação acionária em empresas em tokens que, por sua vez, são registrados em blockchain.
Duas dessas iniciativas de tokenização estão em testes: a Vortx Tokenizadora e a Bolsa OTC – do inglês “out of the counter”, ou, em português, o mercado balcão.
Desenvolvida no sandbox regulatório do Banco Central, a Bolsa OTC quer ser uma espécie de “mercado de acesso” para empresas com faturamento bruto anual de em torno de R$ 100 milhões — embora esteja aberto, inclusive, para companhias já listadas na B3 — e que tenham bons fundamentos e práticas ESG, além de perspectivas de crescimento.
O principal para a empresa será, segundo a companhia, ter acesso a recursos mais baratos que os obtidos no mercado bancário sem, no entanto, ter a maturidade necessária para ir diretamente ao mercado de capitais.
Na ponta dos investidores (tanto institucionais como pessoas físicas), a principal vantagem será a de ter acesso a ativos que, hoje, são “consumidos” pelos próprios bancos, com rentabilidade maior que os instrumentos tradicionais e possibilidade de negociação desses ativos num mercado secundário, tendo como base uma plataforma tecnológica que trará informações periódicas para o acompanhamento da situação de cada emissor.
A ideia é a de que esses clientes possam, inclusive, operar a partir de sistemas de home broker. “A possibilidade de fracionar os títulos de dívida tokenizados pode viabilizar a entrada de pequenos investidores”, destaca, em análise sobre a OTC, o paper da ANBIMA.
Assim como já ocorre com os papéis de dívida emitidos por empresas, as características de remuneração de cada título deverão ser definidas pelos emissores – desde que, claro, observadas as normas regulatórias do Bacen. É possível, portanto, que haja opções com cupons e outras com pagamento do total no vencimento.
Base do projeto, uma rede de blockchain permissionada funcionará como uma espécie de base de registro para os tokens que, por sua vez, representarão os ativos desses investidores. O sistema, segundo a OTC, garante que os custos da plataforma para as empresas captadoras sejam bastante competitivos.
Com time formado por diversos ex-diretores da B3 (tendo como CEO, o ex-diretor-executivo Paulo Oliveira), a ideia é de que a primeira captação pelo OTC ocorra ainda em 2022.