O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estimou para o cenário fiscal de 2026 um superávit primário (saldo positivo de receita sobre as despesas) de R$ 34,5 bilhões, conforme consta no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), encaminhado para o Congresso.
Esses números, no entanto, foram contestados pela IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, que prevê, ao invés do saldo, um déficit de R$ 45 bilhões, detalhado em Relatório de Acompanhamento Fiscal publicado nesta quinta-feira (18).
De acordo com a instituição, R$ 60,7 bilhões das receitas estimadas no Ploa têm “caráter incerto”, e as projeções do governo para o PIB (Produto Interno Bruto) e a inflação, incluídas no orçamento de 2026, colocam em dúvida a possibilidade de cumprimento da meta fiscal.
Esse impasse tem efeito direto no mercado financeiro, tornando o cenário doméstico mais ou menos atrativo para investimentos externos, influenciando na confiança do mercado.
O CEO da B3, Gilson Finkelsztain, e o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, defendem que maior disciplina fiscal, queda dos juros e estímulo à poupança de longo prazo são fatores indispensáveis para a expansão do mercado de capitais brasileiro.
A declaração ocorreu durante o AGF Day, evento voltado para investidores pessoa física, que acontece em São Paulo nesta quinta-feira.
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Ceron defende que o governo tem buscado o equilíbrio do déficit primário, mas ainda tem o déficit nominal muito relevante. “E ele é mais delicado neste momento, porque todas as grandes economias estão com uma dificuldade muito grande com o déficit primário e com a elevação da dívida substancial. Isso influencia a taxa de juros médio no mundo todo”, explica.
Apesar dos últimos recordes divulgados sobre a recuperação do mercado de trabalho, renda e indicadores de pobreza, o secretário admite: “A gente precisa de fato avançar no fiscal, que é um plano que se arrasta há mais de uma década, com uma piora do déficit primário.”
Nuances da estimativa do governo e o relatório do IFI
Há dois itens de receita que o governo incorporou nas projeções orçamentárias que ficaram de fora na avaliação da IFI: a alienação do direito à apropriação do excedente em óleo da União e a redução de benefícios tributários, disciplinada em um projeto de lei complementar apresentado no fim de agosto.
Segundo a IFI, esses dois pontos somariam R$ 31 bilhões ao governo em 2026. Mesmo ao considerar esses itens, seria necessário um esforço adicional de R$ 14 bilhões para o alcance do piso da meta de resultado primário.
O governo estima uma receita de R$ 19,8 bilhões em revisões de benefícios tributários, mas a arrecadação não está prevista no cenário-base da IFI. O relatório mostra que o PLOA de 2026 espera uma receita primária líquida de R$ 2,57 trilhões, valor R$ 90,1 bilhões superior ao calculado pela instituição independente.
A despesa primária prevista pelo governo é de R$ 2,60 trilhões, R$ 10,4 bilhões a mais do que o estimado pela IFI. Na prática, há uma diferença de R$ 79,5 bilhões após deduções legais da meta.
“À luz das projeções mais recentes da IFI, seria necessário um esforço adicional de R$ 45 bilhões para se alcançar o piso inferior (zero) da meta de resultado primário fixada nas diretrizes orçamentárias para 2026. Para o atingimento do centro da meta, o esforço necessário subiria para R$ 79,3 bilhões”, disse o relatório.
Déficit fiscal e impacto nos juros
Segundo o secretário, o impacto do cenário fiscal sobre os juros é claro. “Se analisarmos a taxa de juros de longo prazo do mercado interno, está muito mais alta do que era há 10 anos. Isso gera reflexo para a massa e para a bolsa, além de uma situação que não é saudável.”
Ceron pontua que neste momento o governo já começa a vislumbrar a convergência para as metas e em um cenário consensual para 2026, prevê uma queda da taxa de juros, considerando que “a batalha da taxa de juros é absolutamente desproporcional.”
“A gente está num bom momento, com bons indicadores de emprego, de renda e de redução de indicação de pobreza. Acelerar esse processo de operação fiscal vai criar condições para a gente baixar a taxa de juros e haverá espaço para uma expansão da bolsa; o país precisa disso,” diz Ceron.
Agenda de investimentos e risco fiscal
Finkelsztain reforçou a importância de controlar o fiscal e de uma taxa de juros mais baixa, além do controle das contas públicas e o fomento ao empreendedorismo para que as empresas possam pensar em projetos de investimento.
Ele alertou ainda sobre como o cenário fiscal afeta a competição internacional. “A gente precisa destravar a agenda de investimento do país, com o juro mais baixo, e essa condição só vai ser atingida com um fiscal mais equilibrado.”
E completa: “Tenho duas preocupações do futuro: uma é de não exportar o nosso mercado de capitais, uma vez que a gente compete com os centros globais como Nova York e Londres. A gente tem que continuar fomentando um ecossistema brasileiro com empresas de investimento, produtos, bolsa e liquidez com simplicidade, para o brasileiro conseguir investir aqui, mesmo que seja em ativos mais simples e para o estrangeiro vir para o Brasil de forma fácil.”
“Outra preocupação é no contexto macro, para solucionar um desejo do brasileiro: de que a gente tenha uma agenda política mais comum, mais ao centro e menos o ‘nós contra eles’. O Brasil tem problemas que estão acima da mesa e a gente tem que enfrentá-los e não ficar numa agenda que gasta muita energia e não vai para lugar algum.”
Segundo o CEO da B3, no próximo ano (2026) o país estará diante de uma oportunidade de avançar para uma fase de menos conflitos e mais alinhada, de forma que todos possam se beneficiar e sair melhores do atual cenário.
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Brasil tem gap de acesso a investimentos, aponta B3
Além da questão fiscal que pode tornar os investimentos menos atrativos no cenário externo, Finkelsztain ressaltou que o país há um gap de sofisticação e acesso ao mercado financeiro. Segundo ele, “dos R$ 10 trilhões que a gente tem na indústria de fundos no Brasil, só 5% estão em bolsa, em fundo de ações e multimercado. Na média global, ações são cerca de 50% do portfólio do mundo todo. Aqui no Brasil são 5% e a média da B3 é 11%.”
Para Finkelsztain, elevar a média brasileira de 5% para 11% pode atrair um fluxo de R$ 500 a R$ 600 bilhões para a bolsa. “Se somar isso a uma tendência global de diversificação e à saída de investidores dos Estados Unidos, que está ocorrendo com o enfraquecimento do dólar, contabilizaríamos R$ 1 trilhão de fluxo para a bolsa, mas, obviamente, para isso a gente precisa de uma inflação mais baixa e fiscal sob controle”, enfatiza.
Medidas do governo para acelerar o mercado brasileiro
Ceron afirmou que um dos caminhos para o crescimento do mercado financeiro brasileiro é aumentar a poupança de longo prazo, o que, segundo ele, envolve questões fiscais, mas principalmente a poupança das famílias.
“Isso vai reverberar em todas as nossas soluções o país. Um fator que pesa é que o Brasil tem uma cultura da não-poupança, o que está associado à parte estrutural, devido ao país ter uma renda média baixa e isso gera dificuldade”, disse.
Ele defendeu ainda que o setor público deve contribuir para esse novo cenário. “Construir essa poupança de longo prazo envolve ações por parte do setor público de parar de consumir em excesso a poupança gerada na economia, além de educação financeira.”
Ceron também destacou a importância do Tesouro Direto. “Com uma iniciativa educativa, a educação financeira chega a milhões de alunos, e aos seus pais, formando uma nova geração. Nesse contexto, o Tesouro Direto tem uma vantagem competitiva enorme para os entrantes em comparação com produtos não acessíveis para a classe mais popular. Atualmente, nós temos 3 milhões de investidores ativos, o que é muito pouco, precisamos aumentar.”
Governo mira fundos de pensão
Outro ponto abordado por Ceron foi a previdência complementar. Segundo ele, todos os grandes países com taxa de juros de longo prazo baixa, como a Índia, China e Canadá, têm sistemas de pensão bem estruturados no longo prazo.
“O sistema previdenciário gera incentivo para a capitalização e para geração de poupantes, o que faz muita diferença, não só para o mercado de gestão de dívidas, para a taxa de juros a longo prazo, e para a renda variável também.”
Ceron concluiu reforçando a importância da disciplina fiscal. “Para isso é fundamental a questão fiscal, superar os déficits primários, estabilizar a trajetória para a dívida, mas não vai ser esse país do futuro se a gente não trabalhar com o plano de longo prazo e não trabalhar com a formação de poupança das famílias, além da educação financeira.”
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Perspectivas para o cenário fiscal de 2026
Para 2026, a IFI projeta um cenário macroeconômico menos otimista do que o do governo federal. A instituição espera um crescimento de 1,7% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto o governo aposta em 2,4%.
Já a meta fiscal de 2026 é de superávit de 0,25% do PIB, com uma margem de tolerância de 0,25 ponto percentual, o que possibilita ao governo terminar no zero a zero. Em 2024 e 2025, a meta definida foi de “déficit zero”, permitindo saldo negativo de até 0,25% do PIB.
A IFI, por fim, afirma que o governo tem mirado sempre o limite inferior da banda de tolerância, o que sugere equilíbrio entre receitas e despesas em 2026. Ainda assim, a instituição avalia que o cenário é apertado.