No último dia da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, um balanço das ações sustentáveis colocadas à mesa diante do protagonismo regulatório, econômico e geopolítico do Brasil no evento leva a crer que o mercado regulado de carbono tende a ser o principal legado estrutural da COP30 para o Brasil, segundo o especialista em direito societário e mercado de capitais André Vasconcellos.
Para o especialista, o novo Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), lançado durante a COP30, pode conectar compromissos climáticos a incentivos econômicos e redefinir a forma como investidores avaliam risco, custo de capital e previsibilidade regulatória.
Vasconcellos afirma ainda que um mercado com limites setoriais, monitoramento independente, governança clara e mecanismos de penalização cria novos instrumentos financeiros e reduz incertezas para emissores e investidores.
“A COP30 é, sem dúvida, o maior vetor de convergência entre sustentabilidade e finanças já visto no país”, enfatiza.
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Durante a COP, o governo apresentou o SBCE, criado para definir um limite de emissões para setores mais poluentes. O modelo estimula empresas a adotar tecnologias mais limpas e a negociar créditos de carbono para alcançar suas metas.
A proposta estabelece regras claras para o mercado regulado e busca ampliar a participação de outros países nesse sistema.
Mercado de carbono avança como pilar econômico e social do Brasil
A discussão sobre o futuro do mercado de carbono no Brasil durante a Cúpula dos Líderes no dia 7 de novembro ganhou força na zona azul da COP30, com destaque para a participação da secretária extraordinária do Mercado de Carbono do Ministério da Fazenda, Cristina Reis.
Ela enfatiza que a construção do mercado regulado de carbono não se limita ao debate climático: trata-se de uma agenda social e econômica, que integra inclusão, desenvolvimento e fortalecimento institucional.
Cristina afirma que o país atravessa um momento decisivo da chamada “transformação ecológica”, no qual a política climática deixa de figurar apenas como tema ambiental e passa a ocupar posição central na estratégia econômica brasileira. Para que o Brasil consiga cumprir suas metas de descarbonização, serão necessários investimentos significativos — e, segundo ela, esse arcabouço já está em montagem, com instrumentos inovadores ligados às finanças sustentáveis.
A secretária destacou ainda o esforço legislativo que levou à aprovação da Lei 15.042, que instituiu o SBCE. Ela classificou o resultado como a “ascensão de um grupo”, ressaltando que a criação do sistema não decorre apenas de vontade do Executivo, mas de uma construção conjunta entre governo, Congresso e sociedade.
Durante o evento, José Ricardo Sasseron, vice-presidente do Banco do Brasil, apontou a nova legislação como peça-chave para escalar o mercado de carbono nacional e ampliar seu impacto econômico nos próximos anos.
Ele ressalta que o mercado global de carbono movimenta cerca de US$ 200 bilhões e avalia que o Brasil pode gerar um impacto acumulado de até 5,8% do PIB entre 2030 e 2040 com atividades associadas ao setor.
Sasseron também mencionou o engajamento direto da instituição, que apoia aproximadamente 30 projetos de preservação florestal e recuperação de áreas degradadas, somando 860 mil hectares
COP30 amplia responsabilidade e visibilidade do Brasil
Vasconcellos avalia que a realização da COP30 no Brasil amplia a responsabilidade institucional, assim como a visibilidade internacional: “Para o mercado de capitais, isso significa um novo vetor de precificação de risco: compromissos climáticos deixam de ser declarações diplomáticas e passam a ser compromissos financeiros observados por investidores”, observa.
“O Brasil reúne fatores considerados essenciais para um mercado de capitais climático: matriz energética limpa, capacidade de remoção de carbono, agroindústria inovadora e mercado financeiro estruturado” pontua.
O especialista, no entanto, faz uma ressalva de que o desafio está na integração entre regulação, mercado de carbono, disclosure climático e instrumentos financeiros. “O país se encontra diante de uma oportunidade rara: liderar a transição climática tropical com base em credibilidade”.
Para o especialista em mercado de capitais, a COP atua como acelerador internacional, pressionando o Brasil a alinhar sua regulação aos padrões globais — movimento que reduz incertezas e redefine o tratamento do risco climático como risco financeiro central.
“Para as empresas listadas, isso altera a estrutura de comunicação com o mercado, especialmente em temas como governança, transição, emissões e aderência regulatória. A COP30 é, sem dúvida, o maior vetor de convergência entre sustentabilidade e finanças já visto no país.”, complementa.
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ESG e risco climático: o que muda para o investidor
Mesmo com debates sobre a fadiga do termo ESG em algumas regiões, Vasconcellos afirma que não há fadiga na materialidade do risco climático. Segundo ele, investidores institucionais continuam incorporando variáveis climáticas e de transição energética em valuation, alocação e estrutura de risco.
A COP30, segundo ele, contribui para ancorar a agenda em métricas verificáveis e políticas públicas, influenciando custos de financiamento, acesso a mercados e projeções de fluxo de caixa.
“O risco climático consolidou-se como variável determinante para custos de financiamento, acesso a mercados e projeções de fluxo de caixa. O investidor pode questionar narrativas, mas nunca questionará dados que impactam risco-retorno”, diz Vasconcellos.
Como metas climáticas alteram a percepção de risco
Para Vasconcellos, quando um país estabelece metas climáticas críveis, cria trajetórias intermediárias e mecanismos de controle e penalização, o prêmio de risco tende a diminuir, enquanto há um maior apetite de investidores globais.
“A redução da incerteza regulatória se traduz, diretamente, em menor prêmio de risco e maior apetite de investidores globais.”
Segundo ele, isso também muda a comunicação das empresas: políticas públicas, precificação de carbono e regulação setorial passam a influenciar a estrutura financeira de longo prazo das companhias listadas.
“Um Brasil com metas climáticas sólidas e mercado de carbono funcional é um Brasil com custo de capital justo e janelas de captação mais amplas. A transição climática, portanto, não é custo: é amortização de risco-país.”
Vasconcellos afirma que o Brasil pode atrair indústrias que buscam cadeias produtivas alinhadas ao clima, mas depende de infraestrutura, previsibilidade regulatória e segurança jurídica. Segundo ele, “a COP30 coloca o país no radar, mas não garante investimentos”.
Empresas brasileiras pecam na divulgação de dados
De acordo com o especialista, a principal deficiência das companhias abertas brasileiras não está na ambição, mas na padronização e na auditabilidade dos dados divulgados. Ele afirma que investidores estrangeiros buscam métricas consistentes, inventários auditáveis, metas alinhadas a cenários reconhecidos e disclosures estruturados nos padrões IFRS S1 e S2.
Para ele, muitas empresas ainda tratam o tema como narrativa, e não como indicador de performance que impacta Ebitda, Capex, fluxo de caixa e valuation.
Vasconcellos enfatiza que as companhias abertas brasileiras que compreenderem essa materialidade e atuarem com transparência “serão percebidas como ativos de menor risco e, portanto, maior prêmio.”
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Créditos de carbono como ativos financeiros
Vasconcellos pontua que uma eventual contabilização de créditos de carbono como ativos exige maturidade regulatória, jurídica e contábil, para a qual poucas empresas estão preparadas.
Além disso, o fator risco pesa sobre a volatilidade desses ativos e na questão jurídica associada à elegibilidade, rastreabilidade e completude dos critérios.
“Sem controles adequados, o ativo pode se transformar em litígio, não em valor. Entendo que transparência, segregação clara de riscos, auditoria independente e comunicação responsável serão fundamentais para evitar ‘greenwashing‘ ou superavaliações que destruam valor no longo prazo.”, explica.
O especialista afirma que o crédito climático pode reorganizar o sistema financeiro ao criar novos instrumentos, como debêntures verdes, títulos vinculados a metas e fundos de transição. Segundo ele, isso pode reduzir custos de capital e alinhar financiamento às estratégias de longo prazo das empresas.
Esses instrumentos verdes, diz Vasconcellos, apenas serão efetivos se estruturados sobre três pilares: taxonomias claras, verificação independente e penalidades contratuais. Porém, definições vagas podem enfraquecer confiança e valor desses títulos.
COP30 deve acelerar inclusão de risco climático no custo de capital
Ele avalia que a COP30 tende a acelerar a inclusão do risco climático no custo de capital de companhias nacionais, uma vez que incentiva padrões de mensuração, maior transparência e regulação setorial.
O especialista explica que bancos, agências de rating e fundos globais já incorporam riscos físicos, de transição e reputacionais em suas análises.
Para ele, “o desafio será integrar essas informações aos frameworks de comunicação financeira, articulando como a transição impacta Capex, Opex, retorno sobre capital investido e geração de valor de longo prazo.”
No ponto de vista de regulação, no entanto, Vasconcellos avalia que o país ainda não está totalmente preparado para absorver os custos da descarbonização, principalmente relacionados a pequenas e médias empresas (PME’s). Ele defende mecanismos de apoio, padronização e financiamento para evitar aumento do Custo Brasil.
“A transição só será bem-sucedida se acompanhada de mecanismos de apoio, padronização, financiamento e plataformas compartilhadas. A competitividade nacional dependerá da capacidade de incluir toda a cadeia produtiva na transição, e não apenas os grandes players. Caso contrário, o custo climático se converterá em mais um componente do Custo Brasil”, pondera.
Segundo o especialista, a transição climática enfrenta três obstáculos principais:
- insegurança jurídica
- fragmentação regulatória
- capacidade técnica desigual
Ele afirma que esses fatores elevam o custo de capital e reduzem previsibilidade. Além disso, considera que empresas precisam explicar de forma clara como mitigam esses fatores, uma vez que parte significativa do prêmio de risco Brasil está relacionada a esses elementos não climáticos.
COP do Brasil aposta em renda fixa para salvar florestas
A aposta do governo brasileiro para a COP30 é o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (Tropical Forests Forever Facility — TFFF), lançado em 7 de novembro, após a Cúpula do Clima em Belém. Denominado como uma “nova geração de instrumentos de financiamento climático” o fundo é voltado ao resgate de florestas tropicais com um método que já funciona no mercado financeiro, o investimento em títulos de renda fixa.
Diferente dos fundos tradicionais baseados em doações, o TFFF funciona como um mecanismo de investimento de impacto. Os aportes serão direcionados a ativos de renda fixa, seguindo diretrizes definidas por uma diretoria própria.
O rendimento dessas aplicações (após a remuneração dos investidores e o abatimento dos custos operacionais) será destinado a países que comprovarem avanços na conservação ambiental. Pelo desenho do fundo, ao menos 20% dos recursos irão obrigatoriamente para povos indígenas e comunidades tradicionais.
Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, trata-se de um modelo de investimento sustentável que une recursos públicos e privados e não depende de doações diretas de governos ou empresas. Em vez disso, investidores aportam capital e recebem uma remuneração básica.
Os recursos captados financiam projetos aprovados pelo comitê gestor, enquanto a diferença entre as taxas de juros das operações gera o lastro necessário para bancar pagamentos por serviços ambientais.
Segundo o ministro, a proposta tem ganhado espaço por oferecer um instrumento capaz de atrair atenção internacional e financiar a preservação das florestas tropicais por meio de mecanismos de pagamento por serviços ambientais.
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Legado de longo prazo da COP30
Para Vasconcellos, o impacto da COP30 será definido pela execução dos compromissos nos anos seguintes. “O legado da COP do Brasil não será medido pelas decisões tomadas durante a conferência, mas pelo que o nosso país fizer com elas nos anos subsequentes.”
“Se houver coerência, o Brasil terá, em uma década, um mercado de carbono maduro, cadeias produtivas rastreáveis, empresas financeiramente preparadas para a transição e investidores estrangeiros confiando no mercado nacional como jurisdição climática estável. A COP30, sem dúvida, inaugura um ciclo em que transparência, governança e clima serão determinantes para acessar capital de forma eficiente”, conclui.









