A Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (SG/Cade) recomendou, em despacho assinado nesta quinta-feira (19/04), o arquivamento do processo administrativo que investiga supostas condutas anticompetitivas praticadas por duas empresas do grupo Lundbeck no mercado de medicamentos antidepressivos à base do princípio ativo escitalopram. (PA 08012.006377/2010-25).
A investigação teve início a partir de denúncia apresentada pela Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pró-Genéricos). Segundo a entidade, a Lundbeck seria líder no mercado nacional de antidepressivos devido à comercialização do medicamento Lexapro (que tem como princípio ativo o escitalopram) e estaria empreendendo esforços para manter, de forma artificial, a exclusividade nesse mercado.
De acordo com a Pró-Genéricos, a Lundbeck estaria movendo uma série de medidas judiciais e extrajudiciais abusivas contra autoridades das áreas sanitária e regulatória e contra empresas concorrentes, distorcendo fatos e induzindo os julgadores a erro – prática conhecida como sham litigation. O ponto central da denúncia é o questionamento judicial feito pela Lundbeck a respeito do procedimento adotado pela Anvisa para a concessão de registros de medicamentos genéricos.
O parecer da SG/Cade aponta que o registro do medicamento de referência (como é o caso do Lexapro) requer a apresentação de custosos e demorados testes de comprovação de segurança e eficácia, que compõem o dossiê (ou data package) de propriedade da empresa fabricante desse medicamento. O registro de genéricos e similares, contudo, dispensa a realização desses testes, limitando-se à necessidade de comprovação de biodisponibilidade e bioequivalência em relação ao medicamento de referência. Dessa forma, o registro de genéricos e similares se apoia, ainda que indiretamente, no dossiê apresentado quando do registro do medicamento de referência.
Segundo a Lundbeck, haveria concorrência desleal por parte de laboratórios que obtivessem na Anvisa registro sanitário apoiando-se, ainda que indiretamente, no dossiê da empresa, sem licença prévia. A representada defende que o genérico/similar deveria realizar o seu próprio dossiê de dados ou licenciar o da Lundbeck enquanto ele estivesse protegido, para então obter o registro sanitário do medicamento. Essa é a tese que embasa as medidas judiciais e administrativas intentadas pela Lundbeck, e considerada abusiva pela Pró Genéricos.
Análise
Após exame das medidas judiciais e extrajudiciais adotadas pela Lundbeck, a Superintendência concluiu que não foram verificados elementos suficientes para caracterização do ilícito de sham litigation, de acordo com os parâmetros considerados na jurisprudência do órgão. O parecer da SG aponta, porém, que o debate em torno da adequada proteção ao data package de medicamentos comporta posições divergentes, o que foi amplamente demonstrado nos autos, e não cabe ao Cade arbitrar qual entendimento deve prevalecer.
Para a SG, mesmo a eventual discordância do Cade em relação à tese defendida pela Lundbeck (em decorrência de possíveis efeitos anticompetitivos no caso de essa tese prevalecer) não é elemento suficiente para caracterizar conduta de sham litigation. De acordo com a Nota Técnica 16/2018, não é possível afirmar que a representada utilizou expedientes objetivamente sem fundamento, omitiu informações relevantes ou apresentou posições contraditórias que poderiam levar à confusão do poder Judiciário. Tampouco se pode assegurar que a Lundbeck planejou uma série de ações contra concorrentes, com baixa probabilidade de provimento favorável e de forma a gerar danos colaterais.
Diante desse cenário, a Superintendência remeteu o processo ao Tribunal do Cade, responsável pela decisão final sobre o caso, com recomendação de arquivamento.
Debate
A Superintendência entendeu que a ausência de ilícito antitruste não impede o debate em torno do prazo para a proteção do data package, que tem importantes implicações concorrenciais. No entanto, cabe ao Judiciário, e não ao Cade, decidir o mérito da questão relacionada à tese defendida pela Lundbeck.
Para a empresa, caracteriza-se concorrência desleal o fato de fabricantes de genérico/similar se utilizarem, sem licença prévia, do dossiê relacionado ao medicamento de referência produzido por ela para obterem o registro sanitário. Em sua visão, ou os laboratórios criam seus próprios dossiês ou precisariam licenciar o da Lundbeck durante um determinado período de tempo.
Por outro lado, a posição defendida pela Anvisa, decorrente da literalidade da Lei 10.603/2002, não prevê o estabelecimento de prazo para proteção de dados de medicamentos de saúde humana, apenas para outros tipos de produtos. De acordo com a SG, esse entendimento favorece a entrada de genéricos no mercado, resultando em maior concorrência e acesso mais rápido, pelo consumidor, a medicamentos de menor custo.
Desse modo, a SG recomenda que, ao decidir a matéria, o Judiciário leve em conta que uma proteção muito ampla ao data package pode ser prejudicial tanto do ponto de vista concorrencial quanto da política de genéricos do país.
Com informações da assessoria de imprensa do Cade








