A proposta de atualização do regulamento do Novo Mercado da B3 — segmento de listagem na Bolsa com exigências mais rígidas de governança corporativa — foi rejeitada por mais da metade das companhias listadas.
Das 129 empresas que votaram até a manhã desta terça-feira (1º), ao menos 65 manifestaram rejeição integral às mudanças. Com isso, o pacote proposto pela B3 já não alcança o quórum necessário para aprovação e pode ser considerado tecnicamente inviabilizado.
Apenas cinco empresas aprovaram a totalidade das propostas: Dexco, Vale, Lojas Renner, Westwing e IRB. Outras 58 aprovaram parcialmente, com ressalvas sobre custos e o modelo de votação.
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Reforma do Novo Mercado propõe mudanças estruturais
Apresentada sob o título “Evolução do Regulamento do Novo Mercado”, a proposta da B3 visava atualizar as regras de governança das companhias listadas no segmento. Entre os pontos destacados pela bolsa estavam:
- Colocação do selo do Novo Mercado em revisão
- Avanço nas regras de composição dos conselhos de administração
- Previsão de mecanismos para aumentar a confiabilidade das demonstrações financeiras
- Previsão de penalidade de inabilitação e aumento dos valores de multas
- Flexibilização das regras da Câmara de Arbitragem
- Obrigatoriedade de comitê de auditoria exclusivamente estatutário
Além disso, a reforma propunha alterar a estrutura de votação, que deixou de ser em blocos temáticos e passou a ocorrer item a item, com 25 propostas deliberadas individualmente.
Resistência das empresas da B3
A aprovação integral das propostas exigia o apoio de dois terços das companhias listadas no Novo Mercado (cerca de 64 empresas). Por outro lado, a reprovação por ao menos um terço das empresas inviabiliza a proposta como um todo — patamar que já foi superado.
A crítica ao processo de deliberação foi um dos principais pontos levantados pelas empresas contrárias. Houve insatisfação com o formato “tudo ou nada” adotado inicialmente e com a regra que contabiliza abstenções como votos favoráveis.
De acordo com André Vasconcellos, Diretor de Relações com Investidores da Fictor Alimentos S.A. e primeiro Diretor Técnico do IBRI (Instituto Brasileiro de Relações com Investidores), a forma como o processo foi desenhado pode ter contribuído para a rejeição.
Segundo ele, a proposta sobre overboarding (limite de acúmulo de cargos em conselhos) teve apenas 33 votos favoráveis e 96 contrários — o que mostra a preferência das companhias por flexibilidade na governança, especialmente em contextos de escassez de profissionais experientes e independentes.
Ele enfatiza que o mesmo padrão se repete nas regras sobre denúncia (itens 14 e 15), com rejeição acentuada das ideias de fim do anonimato ou divulgação pública. Para ele, um caminho viável para avançar é modular a aplicação das regras conforme o porte, setor ou complexidade da companhia.
Vasconcellos avalia que a próxima revisão regulatória pode ser mais efetiva se houver distinção clara entre princípios estruturantes de governança (como independência, transparência, responsabilidade e equidade) e os mecanismos operacionais propostos para atingi-los.
Empresas que rejeitaram as propostas
As empresas que rejeitaram a reforma do Novo Mercado, como Suzano, Rede D’Or, WEG, Minerva, SLC Agrícola e JSL manifestaram preocupações como:
- Falta de debate
- Aumento de custos operacionais e regulatórios
- Risco reputacional com a criação do “Novo Mercado Alerta”
- Regras rígidas sobre conselhos e controles internos, inspiradas na legislação americana (SOX), vistas como inadequadas à realidade local
Empresas “de dono” e tradicionais lideraram a oposição. Segundo Vasconcellos, há um padrão nas rejeições a propostas que envolvem maior rigidez regulatória sem distinção de porte e estrutura das empresas.
Empresas favoráveis à reforma do Novo Mercado
Por outro lado, companhias como Localiza, Gafisa, Prio, Neogrid, Dexco e Positivo se mostraram favoráveis à atualização do regulamento. Elas defendem:
- Adoção de padrões internacionais de governança (como os das bolsas de Nova York e Tóquio)
- Reforço à reputação e atratividade para investidores institucionais
- Maior transparência como diferencial competitivo
- Evolução contínua das práticas de governança no Brasil
Essas companhias, em geral, possuem capital pulverizado e maior presença de investidores institucionais.
Reflexos da votação para IPOs
A rejeição significativa à reforma do regulamento do Novo Mercado acende um alerta importante para o futuro dos IPOs (ofertas iniciais de ações) no Brasil.
Para Vasconcellos, o episódio envia um recado claro de que há resistência entre as companhias listadas a mudanças que impliquem aumento de custos, rigidez operacional ou insegurança na aplicação prática das normas.
Segundo ele, em um cenário global de competição por capital, onde o investidor institucional avalia não apenas retorno, mas também previsibilidade e maturidade regulatória, a rejeição de um processo reformista por quase metade das companhias transmite sinais preocupantes.
Ele também alerta para o risco de retração no pipeline de IPOs de empresas emergentes, já pressionadas por juros altos, exigências de transparência e baixa liquidez.
O especialista aponta ainda que a percepção de que empresas veteranas estão divididas quanto às regras pode desestimular a entrada de novas companhias — ou levá-las a buscar alternativas fora da B3, como emissões privadas, listagens no exterior ou captações via instrumentos de dívida.
Small caps são as mais afetadas
“As implicações da rejeição da reforma do Novo Mercado são ainda mais sensíveis para as small caps — justamente o segmento que mais demanda estímulo, acesso e previsibilidade para acessar o mercado de capitais”, avaliou Vasconcellos.
Empresas de menor porte operam com estruturas mais enxutas. A adoção de regras adicionais de governança, sem calibragem proporcional, representa um custo elevado — não apenas financeiro, mas também operacional e estratégico.
“Ao verem companhias maiores rejeitarem o pacote de reformas, muitas dessas empresas menores podem interpretar que nem mesmo os grandes estão dispostos a bancar o aumento do custo regulatório. Isso compromete a percepção de que o Novo Mercado é um ambiente acessível, evolutivo e adaptado às diferentes realidades corporativas.”
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Perspectivas sobre a reforma do Novo Mercado
Vasconcellos pontua como ponto crítico o fato de o Novo Mercado sempre ter sido vendido como referência de governança e que a dificuldade em evoluir esse padrão pode gerar desgaste reputacional, especialmente junto a investidores estrangeiros.
“Esse cenário, por outro lado, revela uma oportunidade para a B3 e a CVM revisarem com mais flexibilidade o papel dos segmentos de listagem. Pode ser o momento ideal para discutir modelos diferenciados para small caps, com obrigações proporcionais, regras mais simples de entrada e compliance escalonado. Ou seja, uma lógica que mantenha os pilares de integridade e transparência, mas sem sufocar o crescimento”, conclui.
