A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) lançou na última quinta-feira (3) o regime FÁCIL (Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivos a Listagens), um conjunto de regras simplificadas para incentivar o acesso de empresas menores, com faturamento bruto anual de até R$ 500 milhões, à Bolsa de Valores. Elas passarão a ser enquadradas como Companhia de Menor Porte (CMP).
Segundo o presidente da CVM, João Pedro Nascimento, o objetivo é “estimular ofertas públicas de empresas em estágio de crescimento, com atividade operacional já existente, promovendo a democratização do mercado e a diversificação dos emissores”.
Para Mara Limonge Macedo, Vice-Presidente Executiva da APIMEC Brasil e integrante do Conselho de Regulação e Melhores Práticas do Mercado de Capitais para Ofertas Públicas da ANBIMA, o regime FÁCIL é um avanço para a inclusão no mercado de capitais brasileiro, mas impõe o desafio de manter padrões de governança e qualidade.
“Será essencial que as entidades administradoras de mercados organizados consigam conciliar agilidade na concessão de registro às companhias com a manutenção da qualidade da informação disponibilizada ao público investidor”, enfatiza.
- ⚡ Investir sem estratégia custa caro! Garanta aqui seu plano personalizado grátis e leve seus investimentos ao próximo nível.
O que muda com o regime FÁCIL da CVM
A Resolução CVM 231 realiza ajustes pontuais nas Resoluções CVM 80 e 166, enquanto a Resolução CVM 232 concentra as principais mudanças. Elas definem itens como:
- Enquadramento de sociedades anônimas como Companhias de Menor Porte (CMP)
- Processo de obtenção, manutenção e cancelamento do registro de emissor de valores mobiliários
- Supervisão de CMPs listadas por entidades administradoras de mercados organizados
- Ofertas públicas de valores mobiliários por essas companhias, destinadas ao público geral e a investidores profissionais
As novas regras passam a valer em 1º de junho de 2026, com expectativa de impulsionar o mercado, sobretudo o de dívida. No entanto, não terá fase experimental, ao contrário do que havia sido proposto na consulta pública de 2024.
A CVM justificou a decisão afirmando que as mudanças incorporam contribuições de participantes do mercado e trazem maior segurança a emissores e investidores.
Benefícios para empresas com receita até R$ 500 milhões anuais
O regime FÁCIL também traz diversas dispensas regulatórias às CMPs:
- Substituição do formulário de referência, do prospecto e da lâmina pelo Formulário FÁCIL, apresentado anualmente ou em eventos relevantes
- Informações contábeis semestrais, por meio do formulário ISEM, em vez do ITR trimestral
- Dispensa das regras de votação à distância em assembleias
- Desobrigação do relatório de sustentabilidade, conforme Resolução CVM 193
- Cancelamento de registro com OPA aprovada por 50% das ações em circulação, em vez dos atuais dois terços
Impacto estrutural no mercado de capitais
Segundo André Vasconcelos, especialista em direito societário e mercado de capitais, o regime FÁCIL é uma virada estratégica no marco regulatório do mercado de capitais brasileiro — trata-se de uma resposta moderna à necessidade de incluir empresas de menor porte no universo das companhias abertas, sem comprometer os pilares da proteção ao investidor.
Vasconcellos também ressalta que o FÁCIL não corresponde a um relaxamento regulatório e que a CVM não está flexibilizando arbitrariamente, mas modernizando com base em evidências e comparações internacionais, o que exerce um efeito civilizatório sobre o mercado.
“A inovação está na calibragem: o regime estabelece exigências proporcionais ao porte da empresa, o que é uma aplicação concreta do princípio da razoabilidade”, completa.
Registro de ofertas na CVM
As companhias classificadas como CMP e registradas na CVM poderão realizar ofertas públicas por quatro caminhos:
- Sem limite de valor, desde que cumpram integralmente a Resolução CVM 160, incluindo o prospecto e os informes trimestrais
- Com o rito da Resolução CVM 160, mas substituindo o prospecto e a lâmina pelo Formulário FÁCIL
- Sem necessidade de instituição coordenadora, no caso de ofertas de dívida destinadas exclusivamente a investidores profissionais
- Por oferta direta, feita em mercado organizado, sem registro prévio na CVM e sem contratação de coordenador
Nos três últimos modelos, as ofertas estão sujeitas a um limite conjunto de R$ 300 milhões por período de 12 meses.
Empresas não registradas na CVM também podem acessar o FÁCIL
O regime FÁCIL também se aplica a companhias de menor porte ainda não registradas na CVM. Elas poderão fazer ofertas públicas de valores mobiliários representativos de dívida, exclusivamente a investidores profissionais, sem necessidade de coordenador.
Esses investidores, como no regime da Resolução CVM 160, devem solicitar as informações necessárias para avaliar o investimento, incluindo auditoria das demonstrações financeiras.
A APIMEC Brasil, que participou da audiência pública, sugeriu e teve incorporada ao texto a hipótese de desenquadramento com prazo de cura: caso a empresa ultrapasse o limite de receita, terá prazo para se reenquadrar antes de perder os benefícios do regime.
Pontos de atenção para o sucesso
Mara Limonge destaca quatro pontos de atenção para o sucesso do regime:
- Relacionamento com investidores: assegurar os benefícios do FÁCIL sem comprometer a qualidade da informação
- Análise qualitativa pelos investidores: com menor frequência de divulgação e uso do Formulário FÁCIL, será necessário cuidado redobrado
- Ajustes nos processos de listagem pelas entidades administradoras
- Governança voluntária: estimular práticas como conselhos independentes, divulgação proativa e política clara de relacionamento
Limonge também inclui outras considerações como a importância da coordenação institucional entre CVM, autorreguladores e mercados para evitar arbitragens regulatórias e a existência de regimes semelhantes internacionalmente, como o Regulation A+ (EUA), o SME Growth Market (UE) e o Régimen Simplificado (Chile).
Pontua, ainda, a importância de compreender o FÁCIL como um instrumento de desenvolvimento econômico, ampliando o acesso ao capital por empresas de menor porte.
Nova via de financiamento e riscos reputacionais
Para Vasconcelos, o principal benefício do regime FÁCIL é o acesso a uma nova via de financiamento. Por meio dele, PMEs com faturamento de até R$ 500 milhões poderão captar recursos no mercado de capitais com menor custo regulatório.
O especialista enfatiza que muitas dessas empresas atualmente dependem exclusivamente de crédito bancário, frequentemente mais caro, mais concentrado e menos compatível com projetos de crescimento de longo prazo.
“Com o FÁCIL, amplia-se a possibilidade de financiamento por meio de capital próprio — e, mais do que isso, dá-se a essas empresas a oportunidade de amadurecer institucionalmente”.
No entanto, Vasconcellos alerta para riscos: “O principal risco é reputacional. Se as companhias não preparadas acessarem o mercado sem estrutura mínima de controles, sem governança, ou sem um plano de negócio consistente, haverá frustração de expectativas — o que prejudica não apenas o investidor, mas o próprio regime”.
- 🔥 Quem tem informação, lucra mais! Receba as melhores oportunidades de investimento direto no seu WhatsApp.
FÁCIL deve transformar o perfil do mercado brasileiro
Vasconcellos projeta que no longo prazo o FÁCIL deva transformar o perfil do mercado brasileiro, possibilitando um ecossistema mais diverso, com maior capilaridade regional, mais inovação e mais concorrência.
E destaca como ponto mais importante a possibilidade de consolidar uma cultura de capital de longo prazo, onde o investidor não busque apenas liquidez imediata, mas participe da construção de valor, com paciência, método e sofisticação.
Emissores já registrados na CVM podem aderir ao novo regime mediante o cumprimento de requisitos, como a obtenção de anuência dos investidores.
Já os novos emissores poderão aderir ao se listarem em entidade administradora de mercado organizado. Nesse caso, o registro na CVM e a classificação como CMP serão automáticos.