Alta dos juros, do cenário inflacionário e aumento do desemprego, combinados com uma maior demanda por crédito. Combinados, todos esses fatores têm contribuído para um aumento do risco de inadimplência, situação que afeta, particularmente, as pequenas e médias empresas. A solução passa pela digitalização e por um bom controle da carteira de recebíveis, como explica a diretora-executiva da Intrum, Juliana Grandini.
A empresa de origem sueca especializada em gestão de crédito realiza duas pesquisas anuais sobre o tema, a European Payment Report (voltada para empresas) e a Consumer Report (com foco em pessoas físicas). A primeira, realizada em 25 países, teve, no ano passado, sua primeira edição brasileira – Brazilian Payment Report. Já a Consumer Report deve ter uma versão nacional a partir de 2022. A tendência, adianta a executiva, é de que os resultados mostrem um aumento da preocupação com a recuperação de pagamentos. Confira, a seguir, entrevista de Juliana Grandini para o Monitor do Mercado.
Monitor do Mercado (MM): Qual a tendência do ponto de vista da inadimplência para PMEs no Brasil no atual cenário? Há um risco de um grande aumento?
Juliana Grandini (JG): No dia a dia, o que a gente observa é um alerta de deterioração nos recebíveis ainda mais forte que no ano passado. No segundo semestre do ano passado, nossa pesquisa Brazilian Payment Report indicava que 63% dos empresários já se viam preocupados com a saúde de suas empresas. Hoje, o indicador de recuperação de crédito da Serasa já mostra que o índice de recuperação de créditos com até 60 dias de atraso era de 58%. Hoje, esse mesmo índice se encontra em 48%; ou seja, há uma maior dificuldade na recuperação das dívidas por parte das PMEs e das empresas como um todo e isso deve aparecer na edição da pesquisa que faremos este ano. Nossa expectativa é observar uma crescente preocupação na recuperação de crédito do lado das empresas e uma crescente dificuldade de manter os pagamentos em dia das pessoas físicas. Isso, claro, causa dificuldade de honrar os compromissos e de se planejar. O ciclo de inadimplência de uma empresa é bastante corrosivo quando se descontrola.
MM – A que fatores você credita essa piora de cenário? Apenas à alta dos juros?
JG – É um combinado de fatores. Estamos saindo do lockdown, o momento é de alta dos juros e da própria demanda por crédito. Além disso, temos um cenário de desemprego bastante alto e isso provoca um risco na qualidade dos créditos.
MM – Há algum setor mais afetado?
JG – Não falamos de setores, mas de tamanho das empresas. As grandes, em geral, têm mais fôlego. Mas, falando especificamente de um setor, o que temos observado neste momento é um aumento da preocupação com o segmento das fintechs, que passam a ter mais dificuldade de manter seu crescimento e a concessão de crédito, em si, além do desafio de obter aportes em um cenário de juros mais restritivos. Essas empresas já atuam em um segmento de crédito mais desafiador. Pode ser uma prova de fogo para uma parte desse mercado.
MM – Qual a orientação principal para PMEs enfrentarem o atual momento?
JG – Atendemos PMES e o que observamos é que existe uma oportunidade para digitalização. A empresa pode estar no caminho certo, fazendo a lição de casa e focando no core business, mas sem ter a noção, em tempo real, de que o risco de crédito que está aumentando. Então, somente quando a inadimplência aumenta, a empresa passa a buscar a digitalização, um movimento reativo. O ideal é entrar neste momento desafiador já com a carteira de recebíveis bem formatada. Minha orientação aos empresários é: olhem para os seus processos e se antecipem aos problemas que possam ter, buscando se digitalizar e criar relatórios de acompanhamento de recebíveis para evitar que, quando a inadimplência começar a aumentar, realizar os ajustes a tempo. Criem políticas de concessão de crédito, de cobrança; tenham indicadores de acompanhamento de inadimplência.