Sancionada na última quarta-feira (23), a Lei nº 15.177 obriga que ao menos 30% das vagas nos conselhos de administração de empresas estatais e capital misto sejam ocupadas por mulheres. A medida foi recebida como uma conquista histórica no contexto da luta pela equidade de gênero no cenário corporativo brasileiro.
A nova norma altera dispositivos da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976) e da Lei de Responsabilidade das Estatais (Lei nº 13.303/2016), com efeitos imediatos sobre a governança pública.
Para as empresas privadas de capital aberto, a adesão à política de equidade é facultativa. Porém, nas estatais, o não cumprimento da cota mínima poderá impedir o conselho de deliberar sobre qualquer matéria, gerando risco institucional concreto e afetando decisões estratégicas, políticas públicas e investimentos.
Na perspectiva da Apimec Brasil, a lei deve gerar transformações estruturais nos processos de indicação e formação de conselhos, com potencial para se estender de forma voluntária às empresas privadas, estimuladas pelas melhores práticas de governança e pelas expectativas dos investidores institucionais.
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Em entrevista ao Monitor do Mercado, Sandra Peres Komeso, Diretora de Relações com Empresas e Eventos da Apimec, enfatiza que essa lei deve ser vista como um catalisador de transformações que já vinham sendo discutidas há anos, mas que agora ganham um respaldo normativo para avançar com mais velocidade.
“É hora de as empresas, públicas e privadas, revisarem suas práticas, abrirem espaço para novos perfis e promoverem a equidade como parte essencial da governança moderna”, conclui.
Política de Equidade pode trazer oportunidades
Além da cota de gênero para conselhos, a nova legislação também impõe que todas as companhias abertas, inclusive as privadas, incluam no relatório da administração uma Política de Equidade, com indicadores objetivos relacionados à equidade de gênero, mesmo sem obrigação de cumprimento de cotas.
Segundo André Vasconcellos, especialista no mercado de capitais, “empresas com cultura de governança sólida e histórico de diversidade terão vantagem”.
“A partir dessa lei, veremos uma aceleração de programas de mentoria, formação de conselheiras e revisão de políticas de sucessão. Grupos controladores mais tradicionais precisarão revisar suas práticas. Quem enxergar isso como oportunidade, e não como imposição, sairá na frente”, enfatiza.
Vasconcellos aponta ainda que o impacto no valuation das companhias deve ser observado no médio e longo prazo, com base em literatura que mostra que conselhos diversos geram decisões mais resilientes em momentos de crise.
Lembra também que muitos fundos internacionais têm políticas claras de investimento baseado em diversidade e, nesse sentido, “o investidor que precifica governança deve premiar empresas que forem além do mínimo legal.”
Lei abrange mulheres de grupos minoritários
A lei determina que do total de vagas estabelecido para ocupar as cadeiras nos conselhos, 30% seja reservado para mulheres negras ou com deficiência, o que Vasconcellos classifica como um “acontecimento inédito e altamente simbólico no Brasil”.
Segundo ele, a iniciativa vai além da equidade de gênero ao atingir interseccionalidades importantes como raça e deficiência e pressiona por mudanças estruturais:
“Do ponto de vista de RI, isso exigirá um novo nível de sensibilidade na comunicação com o mercado: mostrar como a empresa está promovendo inclusão real, não apenas o cumprimento de reserva legal de vagas”, completa.
Nesse contexto, o RI se tornará o porta-voz de como a companhia internalizou essa mudança e se está cumprindo com coerência as ações necessárias, como processos de formação de lideranças femininas, transparência nos critérios de escolha e, principalmente, o impacto dessas lideranças no desempenho da companhia.
Relatórios de administração mudam após cotas para mulheres
A alteração da Lei das S.A. inclui o novo §6º do art. 133, que exige a divulgação de indicadores de equidade no relatório da administração. As empresas deverão apresentar dados objetivos sobre contratação, cargos de liderança e remuneração segregados por gênero.
Para Vasconcellos, isso muda o perfil do Relatório da Administração, parte integrante das Demonstrações Financeiras Anuais, que passa a incorporar temas de equidade como métricas centrais de performance ESG. O mercado deverá então começar a precificar essas informações.
Por outro lado, ele alerta para o risco de que conselhos incluam mulheres apenas para cumprir a exigência legal, sem garantir participação ativa nas decisões.
“Esse é o risco do ‘tokenismo’, e ele é real. Cabe ao próprio Programa de RI demonstrar que há atuação efetiva dessas conselheiras: participação ativa em comitês, condução de pautas relevantes, influência em decisões estratégicas. Só assim o mercado verá legitimidade, e não apenas adequação superficial.”
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Lei para mulheres também pressiona empresas privadas
Embora a adesão das companhias abertas seja facultativa, Vasconcellos acredita que haverá pressão do mercado para adesão voluntária.
Ele pontua que essa pressão virá especialmente dos investidores institucionais, da imprensa especializada, dos stakeholders e até mesmo dos funcionários. E ressalta que empresas que se omitirem nessa agenda correm o risco de manchar sua reputação e, em alguns casos, perder capital.
O especialista avalia que este é um marco histórico: “Estamos falando de uma transformação cultural estruturada por imposição legal — algo semelhante ao que vimos na França, Alemanha e na Nasdaq”.
Segundo Vasconcellos, o impacto imediato será sobre a composição dos conselhos e os processos de sucessão e eleição, mas o verdadeiro valor está na diversidade cognitiva. “Diversidade melhora a qualidade do debate e das decisões estratégicas, o que se traduz em melhor performance de longo prazo.”
Legislação prevê riscos de não conformidade
Em caso de descumprimento da Lei nº 15.177, há risco de judicialização e a própria norma prevê sanções operacionais diretas às estatais, como o impedimento de deliberação pelo conselho, além de possíveis ações de responsabilidade contra administradores, representações ao Tribunal de Contas da União (TCU) e até inquéritos civis públicos.
Vasconcellos destaca três frentes de ação para evitar riscos de não conformidade:
- Mapeamento imediato da composição atual do conselho e suas renovações futuras
- Diálogo com o acionista controlador (normalmente, o ente federativo) para assegurar que as listas tríplices ou indicações já tragam candidatas elegíveis
- Transparência proativa: comunicar ao mercado com clareza e antecedência como a estatal está se adequando, a fim de reduzir ruídos, aumentar a previsibilidade e proteger a reputação institucional
Segundo Vasconcellos, é prudente que o RI antecipe esses riscos no mapeamento de stakeholders, e os conselhos estejam precavidos com pareceres técnicos e plano de transição transparente.
Perspectivas de mudança no mercado de capitais
Com a nova lei, Vasconcellos prevê algumas tendências para os próximos anos, como o aumento da presença feminina em comitês-chave, como auditoria e estratégia e a convergência de remuneração entre homens e mulheres em cargos equivalentes, além de uma evolução de conselheiras para posições executivas, sinalizando pipeline de liderança saudável.
Para ele, se avançarmos nessas frentes, a Lei terá cumprido não só sua função legal, mas também seu papel transformador, intrínseco ao seu propósito.
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Empresas devem se preparar para transformação estrutural
Komeso alerta que apesar dessa recente conquista, muitas companhias ainda não possuem um pipeline consistente de lideranças femininas ou programas de desenvolvimento que preparem mulheres para ocuparem esses espaços e que subsistem resistências culturais e estruturais que precisarão ser enfrentadas.
Ela enfatiza o empenho da Apimec em defender ações educativas, mentoria e capacitação contínua, além do compromisso das lideranças empresariais com uma agenda efetiva de inclusão.
Nesse sentido, a instituição está implementando uma Comissão na Diretoria de Empresas e Eventos, formada majoritariamente por mulheres, voltada à representatividade feminina, especialmente no mercado de capitais, onde a predominância ainda é de homens.
Para a executiva, essa lei deve ser vista como um catalisador de transformações que já vinham sendo discutidas há anos, mas que agora ganham um respaldo normativo para avançar com mais velocidade. “É hora de as empresas, públicas e privadas, revisarem suas práticas, abrirem espaço para novos perfis e promover a equidade como parte essencial da governança moderna”.
“Acreditamos que a diversidade, quando incorporada de maneira estruturada e autêntica, contribui para decisões mais plurais, maior capacidade de inovação e aprimoramento da gestão de riscos”, conclui.