Na semana em que as sanções comerciais dos Estados Unidos entram em vigor, o Brasil tenta reverter os impactos das tarifas a produtos como carne e frutas, que ficaram fora da lista de isenções divulgada pelo governo americano.
A medida acendeu o alerta entre autoridades e especialistas, que cobram uma resposta comercial estratégica, desvinculada de tensões políticas, e reforçam a urgência em diversificar os destinos das exportações brasileiras, hoje concentradas na China.
As consequências da nova política tarifária dos EUA foram debatidas na live “As Medidas do Governo Trump e os Efeitos no Brasil“, promovida pelo Conselho de Relações Internacionais e o Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política, da FecomercioSP.
Participaram do encontro o Ex-Vice-Presidente do Banco Mundial, Otaviano Canuto; o Diretor de Estratégia da Arko Advice, Thiago de Aragão; e o Ex-Embaixador do Brasil nos EUA e Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), Rubens Barbosa.
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Setores sob risco e impacto imediato das tarifas
Otaviano Canuto avalia que o impacto do tarifaço sobre o Brasil é setorial, com prejuízos mais severos para cadeias como carnes e frutas, que não foram incluídas nas isenções.
“O impacto é negativo, mas não desastroso em termos de PIB geral. A consequência mais direta é para os setores específicos afetados”, afirmou.
Segundo ele, os efeitos sobre os preços já começam a aparecer, mesmo antes da entrada total em vigor das tarifas. No entanto, a menor participação das manufaturas no produto Interno Bruto (PIB) e na cesta de consumo americana tem reduzido o impacto inflacionário que muitos analistas previam.
Há 3 caminhos para empresas afetadas pelas tarifas
Ainda que o anúncio já exerça certo impactos sobre alguns setores, Thiago de Aragão enfatiza que ainda é cedo para as empresas traçarem estratégias definitivas, já que muitas tentam se adaptar à nova realidade ou buscam inclusão na lista de isenção.
“Muitas empresas já tentavam entrar na fila da isenção, mas a negociação começa de fato quando os EUA publicam a lista”, explicou.
Aragão destaca ainda que há três alternativas em curso: adaptação à isenção já concedida, tentativa de entrar na lista ou a busca por novos mercados. Segundo ele, na pior das hipóteses, haverá retração de investimentos se a produção não puder ser redirecionada a mercados que paguem valores equivalentes.
Diversificação de mercados deve demorar
Segundo Aragão, neste momento em que o mercado questiona sobre a abertura e diversificação de mercados para reduzir os danos causados pelo tarifaço, o Brasil ainda não possui diversificação suficiente para escolher com quem negociar.
Para o executivo, a dependência de poucos produtos e mercados torna o país vulnerável nesse momento. “O Brasil precisa de uma reflexão interna sobre inovação, tributação e educação. Sem planejamento de médio e longo prazo, não haverá mudança estrutural”, afirma.
Barbosa acrescenta que o redirecionamento das exportações, embora necessário, será limitado e que as empresas que exportam produtos industriais específicos aos EUA dificilmente conseguirão migrar suas vendas com agilidade, assim como a diversificação não resolva, neste momento, o problema das tarifas.
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Relações comerciais e cenário político
Rubens Barbosa chama atenção para o descuido do governo ao misturar política externa e comercial nas tratativas com os Estados Unidos. Para ele, a negociação deve ser pragmática e dissociada de disputas políticas internas.
“Há uma contaminação da negociação comercial por influências políticas, como decisões do STF que afetam a postura diplomática brasileira”, afirmou.
Nesse cenário, Barbosa também critica a ausência do governo brasileiro em Washington: “Não é possível deixar a oposição bolsonarista ocupando todo o espaço por oito meses, sem contraponto institucional do governo. Isso prejudica a narrativa externa”, pontua.
Brasil deve ter cautela em retaliações contra tarifas
Sobre retaliações, Barbosa foi direto: “Temos que ser realistas. Retaliar tarifas pode ser prejudicial. O objetivo agora é reduzir as tarifas impostas, de 50% para algo entre 15% e 20%”. Segundo ele, os EUA já sinalizaram que responderiam a qualquer ação retaliatória.
O ex-embaixador esclarece que produtos estratégicos como carne e café foram deixados fora da isenção propositalmente, como ferramenta de barganha.
Para Barbosa, “é uma tática para manter o ímpeto de negociação por parte do Brasil. Isso segue um padrão já descrito por Trump em seu livro”, explica.
Já Otaviano Canuto diz que o Brasil deve aproveitar o momento para reavaliar sua estratégia comercial e buscar abertura unilateral, independentemente da guerra tarifária.
Afirma ainda que “as medidas dos EUA não devem nos afastar da revisão da política comercial e que o Brasil precisa considerar os próprios interesses”.
Entre as possíveis estratégias, Thiago Aragão defende a criação de estruturas específicas dentro do governo brasileiro para lidar separadamente com China e EUA, dado o peso estratégico e características ímpares de cada economia.
E enfatizou ainda que a dependência do mercado chinês faz com que as decisões de Pequim sobre o nosso agro tenham mais impacto que qualquer medida tomada em Brasília.
Os BRICS e o multilateralismo
Sobre a postura brasileira em blocos como os BRICS, Barbosa destacou que, apesar da ampliação do grupo, vê a ata da última reunião como moderada, mas observa que a implicância dos EUA com os BRICS decorre da ideia de que o grupo queira substituir o dólar.
Barbosa concorda que o Brasil deva manter independência em sua política externa, no entanto, diz que não devemos alinhar automaticamente nem com EUA, nem com China, nem com os BRICS, nem com qualquer outro país. “O que falta é uma declaração pública clara e uma atuação coerente”, enfatiza.
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Risco de perder oportunidade estratégica
Apesar de o momento ser considerado uma oportunidade de mudança para o Brasil, Canuto se mostra cético e diz que é um momento-chave para o Brasil, mas sinceramente não acredita que este ou o próximo governo aproveite a oportunidade, uma vez que, historicamente, não têm aproveitado.