O agro brasileiro precisa se adaptar a um cenário global mais fragmentado e buscar alianças fora do arcabouço tradicional para manter competitividade, alerta o embaixador Roberto Azevêdo, Diretor-Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) entre 2013 e 2020.
A fala ocorreu durante a palestra inaugural “Agroalianças e o Futuro” no 24º Congresso Brasileiro do Agronegócio, realizado pela Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), em parceria com a B3 (Bolsa de Valores Brasileira), nesta segunda-feira (11), quando lideranças políticas e do agro debateram sobre o impacto das tarifas dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros.
Segundo Azevêdo, “é necessário reafirmar a importância da construção de parcerias estratégicas para o futuro do agro em meio aos inúmeros desafios externos, especialmente, com a imposição de tarifas pelos Estados Unidos”.
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Durante o evento, o presidente da ABAG, Luis Carlos Corrêa Carvalho, destacou a importância de o setor privado criar “agroalianças”, canais diretos de negociação com outros países, para reduzir riscos diante de mudanças abruptas na política comercial global.
Segundo ele, a presença constante em fóruns e reuniões internacionais é essencial para apresentar a realidade do agronegócio brasileiro e defender sua competitividade.
Carvalho avaliou que o tarifaço imposto pelos Estados Unidos representa um “reposicionamento estratégico” em um cenário global fragmentado. Para ele, o momento exige “serenidade e senso de urgência”, e as respostas devem vir por meio de diálogo e negociação, evitando barreiras comerciais travestidas de subsídios ou medidas unilaterais.
Embaixador vê enfraquecimento do multilateralismo
“O enfraquecimento multilateral não é circunstancial. Esse é um novo normal. E esse novo normal é grave”, afirmou Azevêdo.
Ele destacou que a economia e as evoluções tecnológicas “não alteraram apenas a forma como nós trabalhamos, elas alteraram também e criaram novas dinâmicas de poder e riqueza”. Segundo o embaixador, o mercado de trabalho se fragmentou e a mobilidade foi reduzida, dificultando a transição entre setores dinâmicos e tradicionais.
Ele apontou que essas transformações são agravadas pela polarização ideológica que se aprofundou com as bolhas das mídias sociais e pela substituição da crença no esforço coletivo pelo unilateralismo.
Lembrou ainda que restrições tarifárias impostas contra a China foram mantidas e estendidas para outros setores, como digital, automotivo, veículos elétricos e aço e alumínio. “O Brasil não pode permitir que outros decidam de que lado ele está”, disse.
Alianças no agro como necessidade estratégica
Para Azevêdo, “os foros multilaterais já não são percebidos como um local de entendimento mútuo, não são mais considerados um local de negociação, a dinâmica ficou lenta, ficou burocrática”.
Nesse contexto, “buscar alianças fora do arcabouço tradicional virou não apenas uma opção para o setor privado, virou uma necessidade estratégica. Ou nós fazemos isso, ou nós não estamos entendendo do que é o mundo hoje”, completou.
Ele acrescentou que “conflitos de natureza bilateral são agravados agora por duas coisas em particular: a primeira, a polarização ideológica, muito maior do que era no passado; e a segunda, a velocidade das mudanças nos ciclos políticos, que mudam de uma hora para outra e mudam de um extremo para o outro”, o que fragiliza a confiança entre países e compromete a diplomacia bilateral.
Representando o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, o secretário de Política Agrícola, Guilherme Campos, afirmou que medidas como as adotadas pelos EUA estão relacionadas ao crescimento da relevância internacional do agronegócio brasileiro.
Segundo ele, o país “incomoda” por ocupar posição de destaque global e, por isso, precisa manter o compromisso de abertura de mercados e buscar alternativas quando não houver espaço para negociações.
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Produtividade do agro supera média mundial
O levantamento também revela que entre 2000 e 2019, a Produtividade Total dos Fatores (PTF) do agro brasileiro cresceu 3,15%, acima da média mundial (1,66%). Índia (2,93%) e Portugal (2,22%) também se destacaram.
Entre as grandes economias, a China registrou alta de 2,28%, os Estados Unidos, 0,55%, e a União Europeia, 1,28%. Austrália (0,47%) e África do Sul (0,67%) ficaram abaixo da média global.
No contexto das tarifas e de uma possível nova ordem econômica, o estudo também revela que 64% dos participantes projetam uma ordem multipolar ou fragmentada, com potências médias e grandes economias estabelecendo regras regionais.
Outros 19% preveem uma ordem bipolar, 9% esperam uma liderança de potência alternativa e apenas 8% acreditam na continuidade de uma ordem liderada pelos Estados Unidos.
Governos defendem diplomacia com os EUA
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, destacou que, diante do cenário global, a negociação direta com grandes parceiros comerciais é fundamental para preservar os interesses do agro brasileiro. Ele enfatizou que a China é o maior parceiro comercial do Brasil, mas os Estados Unidos são o principal investidor estrangeiro direto.
Tarcísio ressaltou ainda que medidas como a lei da reciprocidade não são eficazes. “A lei da reciprocidade é aquele tipo de instrumento que você tem, coloca na gaveta e não usa. Isso não funciona quando você está tratando com uma economia que é 15 vezes maior do que a nossa. Então, é necessário ir para mesa de negociação”, disse.
Tarcísio também defendeu que o Brasil aproveite melhor as oportunidades abertas pelo cenário atual: “Nós temos que aproveitar o potencial da biotecnologia que tá fazendo uma transformação do campo, o potencial da transição energética, o potencial da economia do conhecimento. O mundo abriu uma janela de oportunidade para nós e a gente não está aproveitando. Essas oportunidades estão passando do nosso lado, estão indo para outros países e a gente tá ficando para trás.”
O governador concluiu seu discurso no evento afirmando que está na hora de pegar essas oportunidades e caminhar na direção da vocação do Brasil, que é ser grande. “A gente tem que verbalizar isso para o mundo todo.”
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Já o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, anunciou medidas para mitigar os impactos do tarifaço dos Estados Unidos, com foco na concessão de crédito a setores diretamente afetados pelas sanções. Minas Gerais é o maior produtor de café do país, e o produto tem nos EUA seu principal destino de exportação.
Segundo Zema, “o interesse de um país, de milhares de empresas e de milhões de trabalhadores deve estar em primeiro lugar. Uma nação deve estar acima de qualquer pessoa. Espero que o governo americano venha a retaliar aqueles que têm criticado e causado problemas para os Estados Unidos, não uma nação toda”, completou.
