O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a B3 não terá de indenizar investidores que tiveram prejuízos após a liquidação extrajudicial de uma corretora de valores.
Na primeira decisão do tribunal sobre o tema envolvendo a B3, a 3ª Turma entendeu que a Bolsa não pode ser responsabilizada se não ficou caracterizada negligência em seu dever de fiscalização, conforme publicado pelo Valor Econômico nesta quinta-feira (21).
Segundo Tiago Faganello, do escritório CMT Advogados, responsável pela defesa da B3, a decisão preserva a lógica regulatória do mercado de capitais.
“Se o pedido do investidor fosse aceito, a bolsa passaria a ser interpretada como seguradora universal de quebras de corretoras. Isso impactaria o mercado de capitais, pois, sabendo que no fim do processo a B3 poderia arcar com a indenização, as corretoras poderiam adotar parâmetros insuficientes de compliance e accountability”, afirmou.
Ele acrescentou que essa interpretação aumentaria o custo das transações no mercado e colocaria em risco o modelo institucional de regulação, hoje formado por B3, CVM e Banco Central.
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Detalhes do caso envolvendo a B3
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) havia condenado a B3 a pagar quase R$ 2 milhões a uma empresa e a um investidor devido a prejuízos que ocorreram com a liquidação da corretora utilizada para operações de day trade (negociações de ativos financeiros realizadas dentro do mesmo dia).
Os investidores, que alegaram perdas em operações de day trade após liquidação extrajudicial de uma corretora falida, argumentavam que a Bolsa não teria cumprido de forma adequada seu dever de fiscalização, ao permitir que a corretora continuasse operando mesmo sem atender aos requisitos financeiros mínimos.
No entanto, a corretora havia sido alvo de três processos administrativos internos na B3. Após as investigações, foram aplicadas advertências e multas tanto à empresa quanto aos seus dirigentes. Os processos foram divulgados no site da bolsa.
Essas medidas, porém, não impediram as práticas irregulares da instituição, que acabou liquidada pelo Banco Central em outubro de 2018.
O advogado Eroulths Cortiano Jr., do escritório Cortiano & Paranaguá Cunha Advogados, que representou os investidores, afirmou que, mesmo após a liquidação, a B3 manteve a corretora na lista de empresas autorizadas a operar até janeiro de 2019.
Em primeira instância, a sentença foi favorável à B3. A 19ª Câmara Cível do TJPR, no entanto, considerou que houve omissão na fiscalização e condenou a bolsa a indenizar os investidores.
O tribunal também determinou que fosse abatido o valor de até R$ 120 mil por investidor, que poderia ser recuperado por meio do Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos (MRP) da própria B3, que cobre perdas de investidores em situações específicas. O TJPR ainda rejeitou um pedido de indenização por danos morais.
Decisão no STJ favorável à B3
No STJ, os ministros acompanharam por unanimidade o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi. Ela destacou que a jurisprudência da Corte entende que a relação entre bolsa e investidores não é de consumo, mas regida pelo Código Civil e pela Lei nº 6.385/1976, que regula o mercado financeiro e criou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A ministra ressaltou que o artigo 17, parágrafo 1º, da lei impõe às bolsas o dever de fiscalizar os participantes do mercado. Assim, a responsabilização da B3 só seria possível mediante comprovação de negligência.
“Embora a bolsa de valores tenha permitido que a corretora continuasse operando no mercado até o momento de decretação da sua liquidação extrajudicial, não ficou demonstrada negligência no seu dever de fiscalização, tendo em vista que promoveu três processos administrativos, aplicou sanções de advertência e multa e disponibilizou o processo em seu site”, afirmou a relatora (REsp 2157955).
Precedentes envolvendo Bolsas de Valores
Esse é o primeiro precedente do STJ envolvendo a B3. Houve apenas um caso semelhante, em 2008, que envolveu a extinta Bolsa de Valores do Extremo Sul, de Porto Alegre.
Na ocasião, a 1ª Turma do STJ entendeu que “não há nexo de causalidade entre a alegada conduta fiscalizatória do Banco Central e da Bolsa de Valores e o dano sofrido pelo recorrente”, ao negar indenização a investidores após liquidação de outra corretora (REsp 647552).
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Perspectiva da defesa dos investidores
O advogado Eroulths Cortiano Jr. avaliou que a decisão do STJ não esgota a discussão. Segundo ele, como a Corte “reconheceu a existência da competência fiscalizatória da B3”, a bolsa pode ser responsabilizada em casos futuros de falha ou descumprimento desse dever.
“Esperamos que isso contribua para a melhoria do sistema, inclusive em prol dos investidores e usuários”, afirmou. Ele acrescentou que a defesa aguarda a publicação do acórdão para decidir se recorrerá.