Por Sandra Guerra*
Vivemos um momento em que a instabilidade geopolítica deixou de ser periférica e passou a ocupar lugar central nas decisões empresariais. Guerras, sanções, tensões em cadeias produtivas, mudanças climáticas e a aceleração tecnológica ampliam riscos e desafiam a resiliência das organizações.
Nesse cenário, os conselhos de administração precisam dedicar mais atenção à geopolítica e estruturar melhor sua atuação para lidar com essas variáveis externas, que já têm impacto direto nos negócios.
Pesquisa recente conduzida pela Better Governance em parceria com o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) expõe um quadro revelador: embora a maioria dos conselheiros e diretores já reconheça a relevância da geopolítica para os negócios, ainda faltam processos consistentes e competências diversificadas para transformar esse reconhecimento em ação concreta.
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Segundo o levantamento, quase 87% dos conselheiros e diretores concordam que o tema geopolítico é relevante para os negócios. Ainda assim, metade dos respondentes discorda que haja mecanismos adequados de monitoramento de crises ou mesmo de institucionalização no planejamento estratégico.
Esse descompasso indica que, embora o discurso tenha avançado, a prática permanece incipiente. Em um mundo em que guerras, sanções e rupturas de cadeias de suprimentos se tornam parte do cotidiano, a institucionalização ainda limitada do tema nos conselhos representa uma vulnerabilidade estratégica.
Outro ponto crítico revelado é a lacuna entre conselheiros e diretores. De um lado, conselhos tendem a se perceber abertos à inovação; de outro, diretores que vivem a execução no dia a dia muitas vezes não compartilham dessa visão. Essa diferença expõe uma desconexão entre a autopercepção do conselho e a experiência de quem implementa as estratégias. Sem alinhamento genuíno, o risco é que o espaço para inovação se torne mais retórico do que real.
A ausência de diversidade de competências também chama atenção. Menos da metade dos conselheiros respondentes considera que seus colegiados reúnem competências suficientes para lidar com o contexto geopolítico.
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Em um ambiente interdependente e globalizado, no exercício de desenhar a matriz de competências do conselho, é importante considerar experiências e vivências conectadas ao contexto de volatilidade e às implicações do cenário internacional, além das competências ligadas ao negócio e das responsabilidades tradicionais de um conselho de administração.
A boa notícia é que, mesmo diante dessas lacunas, há sinais de maturidade. O espaço para o contraditório passa a ser cada vez mais uma prática em conselhos, e a escuta de especialistas externos vem se tornando mais comum.
Além disso, organizações listadas em bolsa — submetidas a maior escrutínio público — têm apresentado práticas mais consistentes, sugerindo caminhos que podem ser replicados também no universo das empresas de capital fechado.
Mas o recado central é claro: não basta reconhecer a importância da geopolítica ou de outros riscos emergentes. É preciso estruturar processos, destinar recursos, incorporar tecnologias de análise — como a inteligência artificial — de forma estratégica e fortalecer a integração entre conselho e diretoria em relação ao tema.
A boa governança corporativa, que há duas décadas era vista sobretudo como resposta a escândalos financeiros, hoje precisa ser compreendida como instrumento essencial de resiliência e a sustentabilidade empresarial em um mundo imprevisível.
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O futuro dos conselhos dependerá menos do reconhecimento da importância de fatores geopolíticos e mais da capacidade de agir. O desafio é evoluir de uma postura reativa para uma atuação prospectiva: capaz de antecipar cenários, aprender continuamente e transformar riscos em oportunidades. Em um tabuleiro global instável, limitar-se a respostas reativas cria vulnerabilidades que o cenário de hoje pode não perdoar.
*Sandra Guerra é sócia-fundadora da Better Governance e referência em governança corporativa no Brasil. Desde 1995 atua em conselhos de diferentes perfis de empresas e organizações no país e no exterior. É autora de A Caixa-Preta da Governança e The Black Box of Governance, premiada em 2024 com o Lifetime Achievement Award da ICGN.









