Por Guilherme Saraiva Grava*
Se você vai a uma festa “open bar”, não espera receber uma tributação extra no fim do evento, por ter bebido “a mais”. Pois foi praticamente isso que aconteceu com uma indústria de bebidas, que, agora, obteve uma vitória relevante no Superior Tribunal de Justiça.
O caso envolveu o ICMS, um dos tributos mais complexos do país. Essa complexidade tem diferentes razões, mas a principal decorre de o imposto ser cobrado diversas vezes ao longo da cadeia produtiva, onerando indústria e comércio em diferentes etapas, sendo que cada Estado tem autonomia para estabelecer as suas próprias regras de recolhimento – o que frequentemente gera confusão e insegurança nos contribuintes.
Em particular, existe no ICMS o uso muito frequente da substituição tributária, sistema de arrecadação que antecipa na indústria o pagamento do imposto de toda a cadeia produtiva. Isso quer dizer que, na prática, o fabricante não recolhe apenas o ICMS da sua própria operação, mas também todo o tributo devido no processo de produção e venda da mercadoria.
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Como o recolhimento é antecipado, o cálculo deste ICMS por substituição (também chamado ICMS-ST) se baseia em estimativas do valor que seria recolhido nas etapas seguintes. Essas presunções costumam gerar intensos conflitos entre Fisco e contribuintes, frequentemente resolvidos no Judiciário.
No caso da fabricante de bebidas, o ponto central da disputa foi o uso do Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF) — popularmente conhecido como pauta fiscal. Essa técnica consiste na fixação, pelo estado, de um preço médio de mercado, divulgado periodicamente, sobre o qual se calcula o imposto devido.
Seu uso é muito comum em segmentos estratégicos, como o de bebidas, por simplificar ainda mais a apuração, considerando que o valor a recolher já vem pré-definido em norma estadual.
No caso da indústria em questão, o preço praticado pelo contribuinte já era superior ao valor da pauta. Isso significa que o valor por ele recolhido antecipadamente foi menor do que seria o imposto normal
Diante disso, o Fisco paulista defendeu que o contribuinte deveria abandonar a pauta e recolher o imposto com base na Margem de Valor Agregado (MVA). Este método é mais comum na substituição tributária, que presume uma margem de lucro sobre o preço praticado pelo fabricante, acrescida de encargos transferíveis como frete e seguros.
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O STJ, no entanto, rejeitou essa interpretação. Para a Corte, uma vez que o produto está submetido ao regime de pauta fiscal, o estado não pode, unilateralmente, afastar essa base de cálculo e impor ao contribuinte a aplicação da MVA apenas porque o preço praticado foi maior do que o valor médio estabelecido.
Ao assim fazer, o Estado estaria transformando a pauta fiscal em um “valor mínimo a recolher”, gerando distorção nos preços praticados no mercado e inovando em relação às normas gerais estabelecidas na Lei Kandir. É o caso da tal festa open bar que cobra um valor fixo e, ao mesmo tempo, quer cobrar por fora daquele que “bebeu a mais”.
Assim como um bar pode escolher se quer operar com consumação livre ou não, também os Estados devem definir com antecedência como querem tributar. Se a norma permite escolher um entre esses dois modelos (isto é, a pauta fiscal ou a margem de valor agregado), o Fisco precisa decidir qual irá aplicar e manter a exigência uniforme em todas as operações, e não utilizar ambos os critérios de forma simultânea para elevar a arrecadação.
Na prática, o entendimento garante maior segurança jurídica ao garantir o uso de pauta fiscal nos segmentos em que essa prática é difundida, como é o caso do setor de bebidas e também nos produtos do agronegócio.
Essa é, portanto, uma vitória importante dos contribuintes que reforça a necessidade de limites claros para a atuação dos fiscos estaduais, reafirmando a previsibilidade e a simplicidade como valores centrais no sistema tributário nacional. Afinal, ninguém gosta de surpresas desagradáveis na hora de pagar a conta.
*Guilherme Saraiva Grava é tributarista do Diamantino Advogados Associados.









