O governo sancionou a lei que reformula o marco regulatório do setor elétrico, retirando trechos que, segundo técnicos, poderiam gerar insegurança jurídica ou elevar tarifas. A sanção foi assinada pelo presidente em exercício — na última segunda-feira (24) —, Geraldo Alckmin, e publicada no Diário Oficial da União.
A medida visa promover a modicidade tarifária (manutenção em patamares acessíveis) e a segurança energética, além de definir as diretrizes para a regulamentação do armazenamento de energia elétrica, estabelecer medidas para facilitar a comercialização do gás natural da União e criar incentivo para sistemas de armazenamento em baterias.
Durante o Encontro Anual do Mercado de Livre Energia, a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) declarou que vê avanços e benefícios aos consumidores com a sanção da Lei 15.269/2025, e a ressalta como um marco na modernização do setor, que promove justiça social e equidade em direitos entre os consumidores, além de oferecer alternativas para a redução do valor da conta de energia.
Reforma do setor elétrico mantém direito de escolha
A Abraceel enfatiza ainda que o marco regulatório do setor elétrico proporciona direito de escolha para todos os consumidores ao contemplar os seguintes tópicos:
- A nova lei cria duas fases para permitir que todos os consumidores escolham seu fornecedor de energia.
- Consumidores industriais e comerciais poderão migrar em até 24 meses.
- Consumidores residenciais terão acesso pleno ao mercado livre em 36 meses.
A associação destaca que o Brasil foi pioneiro em iniciar o movimento de oferecer o direito de escolha aos consumidores de energia em 1995, quando sancionou a Lei 9.074, e passará a integrar em pouco tempo o grupo de nações em que todos têm direito de comprar no mercado livre de energia elétrica.
Vetos atingem regras do petróleo e aumento dos custos
A nova lei manteve mudanças estruturais tratadas pelo Executivo, mas vetou pontos aprovados pelo Congresso. Entre os vetos mais relevantes está a alteração da fórmula do preço de referência do petróleo, usado para royalties e participações especiais.
O governo avaliou que a proposta criaria incompatibilidade com características do petróleo produzido no Brasil e abriria margem para disputas judiciais.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou ao Roda Viva que o trecho foi barrado “para que a Petrobras continue com seu papel e seu plano de investimentos”.
O veto foi justificado também pelo risco de incerteza para a arrecadação governamental: “Ao utilizar cotações de agências internacionais para a formação de índice para o pagamento de receitas petrolíferas, traz-se incerteza para a arrecadação governamental, visto que tais cotações não refletem os valores e as características físico-químicas das correntes de petróleo produzidas no País”, conforme texto que justifica o veto.
O que foi vetado
- Curtailment: mantido apenas o mecanismo original de compensação
- Baterias: veto ao pagamento obrigatório dos sistemas apenas pelos geradores
- Geração distribuída: barrados repasses adicionais que seriam distribuídos à CDE
- Leilões: retirada a obrigação de certames anuais
- Comercializadoras: removidas novas obrigações consideradas imprecisas
- Licenciamento: excluído prazo rígido para licenças de hidrelétricas
- Regras de risco: veto ao mecanismo único de compartilhamento entre fontes
Curtailment e geração distribuída também foram barrados
O governo também vetou a ampliação do ressarcimento a usinas solares e eólicas afetadas por cortes obrigatórios de geração (curtailment). A análise interna indicou risco de aumento de encargos e estímulo à sobreoferta.
A Abrace, entidade que representa grandes consumidores, estimava um impacto de até R$ 7 bilhões na conta de luz caso o dispositivo fosse mantido.
Também foi vetada a proposta que permitiria novos repasses da geração distribuída à CDE, estimados em cerca de R$ 6 bilhões.
Outro impedimento atingiu a tentativa de responsabilizar servidores por omissões relacionadas à segurança energética, o que, segundo o governo, poderia gerar insegurança jurídica.
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Pontos que foram mantidos na reforma do setor elétrico
O governo optou por manter pontos centrais do novo marco, como a abertura do mercado livre, com ampliação gradual do acesso para todos os consumidores e os limites aos subsídios, estabelecendo um teto para o crescimento da CDE.
Foram preservados ainda:
- Armazenamento de energia: regras próprias para baterias e incentivo fiscal entre 2026 e 2030
- Supridor de Última Instância (SUI): agente responsável por atender consumidores que migrarem e ficarem sem contrato
- Carvão mineral: prorrogação da contratação até 31 de dezembro de 2040
- Gás natural: regras para facilitar uso e escoamento
- Transição energética: estímulos ao hidrogênio de baixo carbono e exigência de armazenamento para projetos solares beneficiados
Abertura avança, mas atratividade da migração diminui
Beatriz Munhoz Rodrigues, especialista em Mercado Livre de Energia da Wiser Investimentos | BTG Pactual, avalia que apesar dos avanços na abertura total do mercado livre, no armazenamento e na revisão de encargos, ao mesmo tempo em que o texto cria bases mais sólidas para o futuro, ele impõe desafios imediatos, especialmente para novos entrantes.
“Do ponto de vista do consumidor empresarial, a ampliação da portabilidade para baixa tensão, incluindo PMEs, representa uma oportunidade histórica. A liberdade de contratação, a possibilidade de escolher fornecedores e a concorrência entre comercializadoras tendem a gerar mais previsibilidade e eficiência no médio e longo prazo”.
Por outro lado, a especialista destaca como ponto crítico da reforma, e mais relevante no curto prazo, a retirada dos descontos de TUSD/TUST (isenções nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição) para novas migrações, que reduz o benefício econômico imediato para novos entrantes.
“Nos últimos anos, o benefício econômico decorrente desses descontos foi justamente o principal estímulo para que empresas migrassem para o mercado livre. Agora, com o fim dessa vantagem para quem fizer a portabilidade após a sanção, o payback da migração se alonga, o ganho imediato se reduz e a atratividade financeira inicial diminui de forma significativa”.
Segundo a especialista, o movimento representa uma mudança relevante na dinâmica que sustentou a expansão do mercado livre (ACL) nos últimos anos, considerando que a política de incentivos às fontes renováveis (com descontos tarifários) foi o fator que possibilitou a entrada de milhares de consumidores, estimulando a competitividade e viabilizando economicamente o mercado livre para pequenos consumidores.
Para Beatriz, “a mudança atual gera uma quebra de expectativa e exige das empresas uma análise mais sofisticada antes de migrar”.
Perspectivas pós marco regulatório do setor elétrico
Ela considera que apesar das controvérsias, a abertura segue positiva no horizonte estrutural, considerando que “a criação do Supridor de Última Instância (SUI) promove maior segurança ao processo, assim como o marco regulatório do armazenamento inaugura um campo de inovação essencial para estabilidade do sistema e as novas regras de autoprodução tornam o modelo mais profissional e sustentável.”
Além disso, Beatriz prevê que o aumento da concorrência e a padronização de ofertas devam fortalecer a transparência e a qualidade das soluções energéticas.
Por outro lado, a MP do setor elétrico também reduz o apelo econômico imediato da migração, exigindo avaliação mais cuidadosa das empresas.
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Para o período pós-reforma, Rodrigues prevê três tendências:
- Processos mais técnicos: migração exigirá planejamento detalhado e análise de exposição ao PLD
- Competição maior, mas com barreiras iniciais mais altas: novos entrantes enfrentarão menos incentivos econômicos na fase inicial
- Transição energética mais estruturada: avanços em armazenamento e limites à CDE reduzem dependência de subsídios
A especialista alerta que “as empresas que desejam avaliar a portabilidade precisarão considerar essas mudanças com atenção redobrada, entendendo que os benefícios continuam existindo, mas em uma dinâmica diferente da que marcou o passado recente do mercado livre”.









