A indenização às pessoas que perderam suas casas com o afundamento do solo em Maceió (AL) ameaça travar a venda da Braskem, avaliada em R$ 37,5 bilhões. O caso era visto como uma questão humanista, mas tornou-se um ponto central para um dos negócios mais caros do Brasil.
A gigante da petroquímica é controlada pela Novonor (antiga Odebrecht), com uma participação relevante da Petrobras. Ambas as companhias demonstram interesse em vender suas participações, que tem sido disputada por empresas como Unipar e J&F, dona da JBS.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) tem se movimentado garantir que a venda não seja feita antes de os moradores de Maceió, afetados pela extração de sal-gema pela Braskem, recebam suas respectivas indenizações. “Antes de qualquer negociação envolvendo a Braskem – venda ou ampliação do capital da Petrobras – passamos primeiro pela necessidade da Braskem e da Petrobras, em seguida, honrarem o contrato social que assumiram com o Estado de Alagoas”, disse em pronunciamento em março, na tribuna do Senado.
Em julho, a empresa fechou acordo com a Prefeitura de Maceió para pagar R$ 1,7 bilhão às vítimas de afundamento do solo. De acordo com informações dadas pela própria Braskem, cerca de 14,4 mil imóveis foram afetados em área urbana, abrangendo os bairros Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e parte do Farol. Veja o mapa abaixo:
A companhia afirma que fornece um auxílio-financeiro de R$ 5 mil e um auxílio-aluguel no valor de R$ 1 mil, pagos por um período de, no mínimo, seis meses e, no máximo, até dois anos após a homologação do acordo entre a Braskem e o morador.
Há incertezas, entretanto, se os valores pagos até agora são os corretos. Uma vez que a Defensoria Pública e o Ministério Público trabalham em teses de revisão de valores, segundo explica Maurício Quintella Lessa, ex-ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil. “Foram indenizações pagas, segundo informações que eu tenho, goela abaixo, à força. Ou você aceitava o valor determinado, ou a empresa se negaria a pagar.”
A Braskem afirma que o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), criado em 2019, chegou ao fim de agosto com 19.065 propostas apresentadas aos moradores das áreas de desocupação e monitoramento. O número equivale a mais de 99% de todas as propostas previstas.
Projeto de Lei cria entrave para venda da empresa
Após cinco anos do desastre, foi apresentado o Projeto de Lei 2257/2023, criado pelos deputados Alfredo Gaspar (União-AL), Marx Beltrão (PP-AL) e Delegado Fabio Costa (PP-AL). O texto prevê que as empresas sejam obrigadas a pagar por danos causados às vítimas e ao meio ambiente local.
Segundo o Deputado Alfredo Gaspar, do União-AL, o PL foi impulsionado pelas vítimas de desastres causados pela “mineração irresponsável” da Braskem, em Maceió, e da Vale, em Minas Gerais — tanto em Brumadinho, quanto em Mariana.
O político mencionou, em entrevista ao Monitor do Mercado, que acompanhou o caso em Alagoas. “Vi que as leis existentes não eram suficientes para amparar as vítimas. Por isso a necessidade de um Projeto de Lei mais amplo, que garantisse a reparação tanto individual quanto coletiva”, relatou.
Caso da Braskem foi parar na Holanda
Não é apenas no Brasil que há processos e movimentações que podem atrapalhar as contas na venda da Braskem. Uma ação judicial na Holanda também embola o meio de campo.
Bruna Ficklscherer, Diretora Jurídica do Pogust Goodhead (escritório inglês de advocacia que atua no caso), explica que o processo holandês contra a Braskem foi ajuizado em novembro de 2020, na corte de Roterdam.
A razão pela qual o processo foi para lá é o fato de as três empresas-rés subsidiárias da Braskem S.A., que atuam como financeiras do grupo, possuírem domicílio também em Roterdam, Holanda. “A escolha da jurisdição na qual querem processar é dos autores da ação, sendo uma possibilidade para vítimas afetadas pela mineração da Braskem e que se mostraram insatisfeitas com as soluções indenizatórias disponíveis no Brasil”, completou Ficklscherer.
Em entrevista ao Monitor, ela afirma que a venda da Braskem não deve ter qualquer impacto na indenização daqueles afetados pelos danos por ela causados. “As obrigações, dívidas e responsabilidades da empresa permanecem as mesmas. A responsabilidade ambiental no Brasil recebe tratamento especial, sendo a responsabilidade por indenizar danos ambientais e reflexos de natureza solidária, prezando que a vítima e o meio ambiente sejam integralmente reparados”, explicou.
Essa conta, agora, precisa fazer parte da avaliação dos possíveis compradores da Braskem. Atualmente, a “favorita” na fila, para abocanhar a gigante das resinas é a JBS.
Para maiores explicações, o Monitor do Mercado entrou em contato com a Braskem, que mencionou, em nota, que a decisão proferida na corte da Holanda, em fase preliminar do processo, não julgou o mérito da ação individual apresentada por 11 moradores de Maceió. “Por meio de seus representantes, a companhia vem adotando as medidas processuais cabíveis e continuará desenvolvendo seu trabalho, de forma diligente em Maceió, com prioridade na segurança das pessoas e na solução dos danos causados pela subsidência e pelo processo de desocupação”, informa a empresa.
Vítimas de Alagoas reclamam de abandono
Apesar de a empresa reconhecer sua obrigação de indenizar moradores afetados, algumas das vítimas dos cinco bairros demarcados como atingidos pelo desastre alegam não terem recebido ressarcimento ou aluguel social.
Adeilza Maria Ferreira da Silva, moradora do Bom Parto, explica que até hoje permanece no bairro pela falta da indenização e do aluguel social da Braskem. “Não recebemos nada de Prefeitura, nem da Braskem. Não recebemos um centavo de indenização, de nada. Estão dizendo que nosso aluguel social está para sair. A gente fica na expectativa: vai sair ou não vai sair?”, pergunta.
Ela diz aguardar ressarcimento desde 2019, convivendo as rachaduras em casa, presença de animais aquáticos que entram pelos vãos do piso e tendo que “emendar” os buracos das paredes e do chão. A foto abaixo foi enviada pela entrevistada ao Monitor do Mercado.
O filho de Adeilza, Kleverton Alexandre Ferreira da Silva, que também vive na mesma casa, aponta que a Braskem alegou não querer fazer o ressarcimento pelo imóvel estar fora da área demarcada no mapa.
“Ainda assim continuam minerando, fecharam toda a região do bairro Mutange e um pedaço do bairro Bebedouro. Somente funcionários da Braskem passam pelo portão e vemos direto caminhões entrando e saindo. Às vezes, é possível ouvir de madrugada uns barulhos parecendo uma batida ou um ‘boom’ do maquinário”, denuncia, completando que a empresa nega a se pronunciar quando os moradores perguntam se a mineração continua.
Outra vítima que não se sentiu amparada pela Braskem foi Letícia Chicuta, que morou 17 anos no bairro Bebedouro. “Vidas inteiras, famílias, comunidades atingidas pela ganância dessa empresa e o descaso do governo, nunca nos sentimos amparados por nenhuma dessas instituições”, comenta.
“Meus pais tiveram problemas por acharem que não iriam conseguir comprar uma casa que se equiparasse à antiga que nós tínhamos. Mas hoje em dia estamos satisfeitos com a que nós temos, não graças à Braskem”, lamenta. Letícia guarda consigo a foto que tirou antes de deixar a casa, com o protesto que escreveu em suas paredes. Veja abaixo.
Muito além da questão financeira, moradores reclamam de como os desastres relacionados à mineração afetaram sua saúde mental e a vida das vítimas com quem conviveram.
Yasmin Maia Honorato alega que teve que sair de sua casa no bairro Pinheiro em 2019, mesmo sem a indenização da empresa. “Era uma situação que não tinha o que fazer. Muitas pessoas moraram ali a vida inteira e tiveram que sair. Inclusive, muitas adquiririam depressão, ansiedade e algumas até se mataram por conta da situação”, afirma. A indenização para a sua família foi paga dois anos depois, conta.
Enquanto isso, a Braskem disse ao Monitor que Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), criado em 2019, chegou ao fim de agosto com 19.065 propostas apresentadas aos moradores das áreas de desocupação e monitoramento. Além disso, a empresa comentou que, caso não concorde com o valor da proposta, o morador pode pedir a reanálise e, se atendidos os critérios, o Parecer Técnico Independente. “Para os casos em que a proposta apresentada não for aceita, é possível pleitear diretamente à Justiça que determine o valor da indenização”, explica.
Acordo da Braskem com Maceió
Em nota exclusiva enviada ao Monitor, a empresa afirma estar empenhada em disponibilizar recursos, no valor mínimo de R$ 150 milhões, para indenização por danos sociais e danos morais coletivos. “O montante foi dividido em cinco parcelas anuais de R$ 30 milhões e três já foram depositadas. Os recursos serão geridos por um comitê formado por representantes da sociedade civil e de órgãos públicos”, aponta a companhia.
A Braskem também disse que está implementando as 23 medidas socioeconômicas definidas no Projeto Integração Urbana e Desenvolvimento dos Flexais, que tem como objetivo restabelecer a dinâmica socioeconômica da região situada fora do mapa de desocupação e monitoramento definido pela Defesa Civil, mas onde estudos apontaram uma situação de ilhamento socioeconômico após a desocupação de parte dos imóveis localizados nos bairros vizinhos (Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol). O detalhamento dessas ações vem sendo feito em permanente diálogo com moradores.
“Além da indenização aos moradores e comerciantes do Flexal, em razão dos impactos decorrentes da situação de ilhamento socioeconômico, a Braskem efetuou – em novembro de 2022 – o pagamento de R$ 64 milhões ao Município de Maceió para a execução de medidas adicionais na região”, diz a nota.
Confira a resposta da Braskem na íntegra:
“A Braskem desenvolve ações em Maceió-AL com foco na segurança das pessoas e na implementação de medidas amplas e adequadas para mitigar, compensar ou reparar impactos decorrentes da desocupação de imóveis nos bairros de Bebedouro, Bom parto, Pinheiro, Mutange e Farol. Todas as ações são fiscalizadas pelos órgãos competentes.
As iniciativas, acordadas com autoridades federais, estaduais e municipal, abrangem diversas medidas como a realocação preventiva e compensação financeira das famílias; ações sociourbanísticas e ambientais; apoio a animais; zeladoria nos bairros; monitoramento do solo e fechamento definitivo dos poços de sal.
Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF)
De adesão voluntária, o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), criado em 2019, chegou ao fim de agosto com 19.065 propostas apresentadas aos moradores das áreas de desocupação e monitoramento. O número equivale a mais de 99% de todas as propostas previstas. Do total de propostas apresentadas, 18.430 já foram aceitas. A diferença entre o número de propostas apresentadas e aceitas se deve ao tempo que as famílias têm para avaliar ou pedir reanálise dos valores. Também até agosto, 17.658 indenizações foram pagas, o que equivale a 92,5% do total esperado. Somadas aos auxílios financeiros, o valor passa de R$ 3,8 bilhões.
Caso não concorde com o valor da proposta, o morador pode pedir a reanálise e, posteriormente, se atendidos os critérios, o Parecer Técnico Independente. Em ambos os casos, é necessária a apresentação de documentos que amparem os pedidos. Para os casos em que a proposta apresentada não for aceita, é possível pleitear diretamente à Justiça que determine o valor da indenização
Ainda por meio do PCF, a empresa oferece serviços gratuitos, como o apoio psicológico. Em setembro de 2023, 179 pessoas estão em atendimento.
Medidas para Maceió
Já as medidas para mitigar, compensar ou reparar impactos causados pela desocupação dos bairros se dividem em três frentes de atuação – sociourbanística, ambiental e de estabilização e monitoramento.
Na frente ambiental, um plano de ação já foi entregue às autoridades, após cumprir as fases de diagnóstico e escuta pública, e segue o rito para sua execução. Já o diagnóstico da frente sociourbanística, que aborda questões relacionadas ao planejamento e infraestrutura urbana, patrimônio cultural, políticas sociais, economia e trabalho, entre outras, foi apresentado em escutas públicas formais, a fim de receber contribuições para o Plano de Ações Sociourbanísticas, e está sendo entregue às autoridades.
No eixo de mobilidade urbana, as obras estão em fase de execução, com investimento previsto de R$ 360 milhões – valor atualizado anualmente. O pacote reúne ações consideradas prioritárias pelo Município e complementadas por estudos técnicos realizados por empresa especializada e custeados pela Braskem. As medidas incluem a construção, ampliação ou recuperação de 33,4 quilômetros de vias; 11,5 quilômetros de ciclovias; sistema de semaforização inteligente, videomonitoramento e requalificação de passeios públicos.
Já as ações da frente de estabilização e monitoramento do solo incluem a instalação de um conjunto de equipamentos dos mais modernos em atuação no Brasil, com parte deles doada para a Defesa Civil de Maceió. A extração de sal-gema foi totalmente encerrada em maio de 2019, e a Braskem vem adotando as medidas adequadas para o fechamento definitivo dos poços de sal, conforme plano apresentado às autoridades e aprovado pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
Outras ações
A Braskem também assumiu o compromisso de disponibilizar recursos, no valor mínimo de R$ 150 milhões, para indenização por danos sociais e danos morais coletivos. O montante foi dividido em cinco parcelas anuais de R$ 30 milhões e três já foram depositadas. Os recursos serão geridos por um comitê formado por representantes da sociedade civil e de órgãos públicos.
Além disso, em fevereiro de 2020, a Braskem destinou R$ 40 milhões para diversas ações nos bairros, com foco na reparação de prejuízos socioeconômicos para moradores e trabalhadores afetados, incluindo verba para construção de escolas e a realização de programas de qualificação, requalificação e capacitação para moradores, microempreendedores e profissionais da indústria e do comércio, dos bairros do Bebedouro, Bom Parto, Mutange e Pinheiro.
A empresa também está implementando as 23 medidas socioeconômicas definidas no Projeto Integração Urbana e Desenvolvimento dos Flexais, que tem como objetivo restabelecer a dinâmica socioeconômica da região situada fora do mapa de desocupação e monitoramento definido pela Defesa Civil, mas onde estudos apontaram uma situação de ilhamento socioeconômico após a desocupação de parte dos imóveis localizados nos bairros vizinhos (Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol). O detalhamento dessas ações vem sendo feito em permanente diálogo com moradores.
Entre os serviços já implementados, estão a limpeza urbana e o combate a pragas, vigilância e instalação de câmeras de segurança, rota de ônibus de uso exclusivo e gratuito para a população dos Flexais, transporte escolar, serviço de apoio psicológico e um espaço que abriga secretarias municipais para o atendimento direto à comunidade. O projeto prevê ainda a requalificação viária, da iluminação pública e da Praça Nossa Senhora da Conceição, além da construção de uma nova Unidade Básica de Saúde (UBS), creche e escola infantil, centro de apoio aos pescadores, centro comercial e espaço para feira livre.
Além da indenização aos moradores e comerciantes do Flexal, em razão dos impactos decorrentes da situação de ilhamento socioeconômico, a Braskem efetuou – em novembro de 2022 – o pagamento de R$ 64 milhões ao Município de Maceió para a execução de medidas adicionais na região.
Acordo com o Município
Em julho de 2023, a Braskem e o Município de Maceió firmaram acordo que prevê o pagamento de indenização no valor de R$ 1,7 bilhão para ressarcir integralmente os danos causados pela subsidência e pelo processo de desocupação.
A gestão dos recursos é de reponsabilidade do Município de Maceió.
A assinatura deste acordo não interfere nas demais frentes de atuação da Braskem nem nos acordos firmados com moradores.
Futuro das áreas
No Termo de Acordo Socioambiental firmado com o Ministério Público Federal, com participação do Ministério Público do Estado de Alagoas, a Braskem se compromete a não edificar nas áreas desocupadas, para fins comerciais ou habitacionais. Discussões futuras sobre a área e sua utilização poderão ser feitas a partir do Plano Diretor do Município, instrumento amplamente debatido pelas autoridades e a sociedade, ou seja, em nenhum momento a decisão sobre o futuro da área caberá exclusivamente à Braskem.
Ação na Holanda
A decisão proferida na corte da Holanda, em fase preliminar do processo, não julgou o mérito da ação individual apresentada por 11 moradores de Maceió. Por meio de seus representantes, a companhia vem adotando as medidas processuais cabíveis e continuará desenvolvendo seu trabalho, de forma diligente em Maceió, com prioridade na segurança das pessoas e na solução dos danos causados pela subsidência e pelo processo de desocupação.”
Imagem: Divulgação