A Câmara dos Deputados enterrou na noite desta quarta-feira (8) a Medida Provisória (MP) 1.303/2025, que altera a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), junto com qualquer certeza do governo de equilibrar as contas públicas neste ano e reduzir as despesas obrigatórias em 2026, ano eleitoral.
A rejeição da medida deve levar o governo a bloquear gastos já em 2025 e gerar um rombo de R$ 35 bilhões no Orçamento de 2026, segundo técnicos da equipe econômica ouvidos pela Folha de S. Paulo.
O impacto total nas contas públicas é de ao menos R$ 46,5 bilhões até 2026, sendo R$ 31,5 bilhões em frustração de receitas e R$ 15 bilhões em contenção de despesas que também se tornaram inválidas juntamente com o texto da MP.
A derrota do governo no Congresso se estabeleceu após a votação de um requerimento para remoção da MP do IOF de pauta na Câmara, que teve como resultado 251 votos a favor e 193 contra, invalidando o texto de forma definitiva.
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Em entrevista à Rádio Piatã, o presidente declarou que não considera a derrubada da MP uma derrota do governo, mas “do povo brasileiro”.
“Eles acham que ontem derrotaram o governo? Derrotaram o povo brasileiro, derrotaram a possibilidade de melhorar a qualidade de vida do povo, tirando mais dinheiro dos ricos e distribuindo para os pobres”.
Lula prometeu reunir a equipe na próxima semana para discutir como fazer fintechs e grandes instituições financeiras pagarem o imposto devido.
Consequências fiscais imediatas à invalidação da MP do IOF
Sem a MP do IOF, o governo perde instrumentos que equilibrariam as contas do próximo ano dentro das metas do novo arcabouço fiscal. A proposta previa o aumento de arrecadação e redução de gastos obrigatórios, permitindo fechar o Orçamento sem violar o limite de despesas.
O texto esperava elevar a receita em R$ 20,9 bilhões até 2026 com a taxação de títulos hoje isentos e a ampliação de tributos sobre fintechs e casas de apostas (bets). A taxação das bets, porém, foi retirada pelo relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), numa tentativa de negociar com a base parlamentar e obter aprovação no Congresso.
Do lado das despesas, a MP previa economia de R$ 15 bilhões em 2025 a partir das seguintes providências:
- Endurecimento das regras do seguro-defeso (benefício a pescadores durante o período de proibição da pesca)
- Limitação do auxílio-doença concedido por atestado médico sem perícia presencial
- Inclusão do Pé-de-Meia, programa de incentivo à permanência no ensino médio, no piso constitucional da educação
Segundo técnicos do governo, com a queda da MP, será necessário rever o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2026. E mesmo que o Congresso inflacione as projeções de receita, o ajuste de R$ 15 bilhões nas despesas será inevitável para evitar que o PLOA seja ilegal, sem cumprir o piso da educação.
Bloqueios e contingenciamentos do governo
A perda de receitas e de medidas de controle de gastos deve obrigar o governo a bloquear verbas em 2025, atingindo inclusive emendas parlamentares.
No caso das receitas, o Legislativo ainda pode buscar novas fontes de arrecadação ou reduzir despesas. Se isso não ocorrer, o governo deverá contingenciar recursos em março de 2026, congelando parte dos gastos planejados.
Somente no seguro-defeso, o governo havia economizado R$ 2 bilhões, e a queda da MP reverte automaticamente parte desse corte. Segundo estimativas, R$ 500 milhões podem recair diretamente sobre as emendas parlamentares.
Manobras políticas para aprovação da MP do IOF
A derrota no Congresso ocorreu mesmo após o governo ceder em pontos centrais da proposta para ampliar apoio, como a manutenção das isenções sobre títulos imobiliários e do agronegócio e ter poupado as bets da tributação.
Na véspera, a medida passou por um triz na comissão mista, com aprovação do relatório de Zarattini por apenas um voto de vantagem (13 a 12), após o governo abrir mão de R$ 3 bilhões em receitas.
O relator acusou o Centrão e a bancada ruralista de quebra de acordo, mencionando votos contrários de partidos como Republicanos, União Brasil e PP.
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O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tentou um acordo de última hora, mas enfrentou resistência dos líderes do Centrão. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi apontado como articulador político da derrota.
“Sentimos muito a interferência, puramente política, com objetivo eleitoral, do governador de São Paulo, que mobilizou presidentes de partido”, disse Zarattini em plenário.
O governador negou qualquer intromissão na votação do Congresso e disse estar focado em “questões de São Paulo”
Reação do Planalto à derrubada da MP do IOF
Antes mesmo da votação iniciar no Congresso, ciente da derrota iminente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu-se com líderes da base em um almoço, acompanhado dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e de Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais).
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou após o encontro que o Planalto poderá adotar novas medidas por decreto para recompor a arrecadação.
Lula fez críticas públicas à atuação política sobre a MP e defendeu a proposta: “Impedir essa correção é votar contra o equilíbrio das contas públicas e contra a justiça tributária. O que está por trás dessa decisão é a aposta de que o país vai arrecadar menos para limitar as políticas públicas e os programas sociais”, afirmou nas redes sociais.
Haddad entregará roll de medidas alternativas ao governo
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta quinta-feira (9) em entrevista na porta do ministério que a rejeição da MP terá impacto orçamentário importante, atingindo emendas parlamentares e investimentos públicos.
“Pode ser que tenha corte de emenda, mas isso dentro da regra estabelecida”, disse, em referência ao arcabouço fiscal, que prevê cortes proporcionais quando há bloqueio de recursos.
Haddad anunciou que entregará a Lula um rol de medidas alternativas para recompor receitas e equilibrar o fiscal e o social.
“Ele não vai abrir mão do fiscal, das contas públicas, mas não vai abrir mão do social”, afirmou, citando medidas como a lei do Imposto de Renda, o devedor contumaz e a tributação da energia elétrica.
O ministro também esclareceu que reduzir gastos tributários não significa aumentar impostos: “Quando você faz quem não paga imposto passar a pagar, isso não tem nada a ver com aumento de imposto. É corte de privilégio”, disse.
Haddad criticou o setor das bets, que ficou quatro anos sem pagar impostos, e afirmou que títulos isentos de IR criam distorções no mercado.
Queda da MP repercute no setor produtivo e no mercado de criptoativos
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) classificou como acertada a decisão da Câmara de derrubar a MP 1.303. Segundo a entidade, o Congresso evitou “mais um aumento de carga tributária”, aliviando a pressão sobre o setor produtivo.
“Entendemos que os parlamentares agiram com responsabilidade, pois as compensações ao IOF afetariam toda a sociedade e atingiriam diretamente o consumidor brasileiro”, afirmou o presidente da CNI, Ricardo Alban.
Alban destacou que a atividade produtiva já enfrenta custos elevados com juros e impostos. Segundo o executivo, este seria mais um duro golpe no setor produtivo, enquanto as bets, por outro lado, seriam poupadas.
A Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABcripto) também comemorou a perda de validade da MP 1.303, que previa aumento da tributação sobre aplicações financeiras, incluindo criptoativos. Para a entidade, a decisão do Congresso representa “uma vitória do diálogo, da racionalidade regulatória e da criptoeconomia brasileira”.
Desde o anúncio da medida, a ABcripto atuou em negociações com autoridades e parlamentares para demonstrar os riscos que o texto traria ao mercado de criptoativos.
A proposta revogava a isenção de ganhos de capital de até R$ 35 mil mensais e previa retenção de 18% de Imposto de Renda na fonte em operações como staking, o que, segundo a associação, oneraria pequenos investidores e criaria insegurança jurídica.
Para Bernardo Srur, CEO da ABcripto, “A não aprovação da MP 1.303 é uma vitória do bom senso. Mostra que o Brasil tem maturidade para discutir políticas públicas de forma transparente, ouvindo os setores impactados e buscando soluções equilibradas”.
A entidade ressaltou que a decisão preserva o ambiente de inovação e competitividade do país, evitando a migração de investidores para plataformas estrangeiras. “O resultado garante previsibilidade ao mercado e consolida o Brasil como referência global em regulação responsável”, completou Srur.
A ABcripto destacou, ainda, que o fim da MP abre espaço para um debate técnico sobre a tributação de criptoativos, voltado ao crescimento sustentável e à segurança jurídica. A associação reafirmou o compromisso de colaborar com o governo e o Congresso na criação de um modelo tributário moderno e equilibrado para o setor.
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Cenário político e fiscal
Haddad associou a rejeição da MP à atuação de “forças políticas que protegem privilégios”: “As mesmas forças que abriram os cofres em 2022 pra tentar garantir a reeleição de Bolsonaro são as mesmas que estão desorganizando o orçamento em 2026 pra obter o resultado eleitoral”, declarou.
O ministro citou o governador Tarcísio de Freitas entre os articuladores, mas garantiu que o governo federal não retaliará São Paulo.
“Mesmo com a notícia de que o governador agiu em detrimento do desenvolvimento nacional, nós não vamos prejudicar o Estado de São Paulo”, afirmou.
Haddad reforçou que o impacto principal da MP seria sentido em 2026, ano em que o governo busca superávit primário de 0,25% do PIB, e que há um “conforto fiscal” em 2025 devido à decisão do Supremo tribunal Federal (STF) que validou o aumento do IOF via decreto.