O debate sobre a sustentabilidade fiscal no Brasil voltou ao centro das atenções com a dificuldade do governo em cumprir com os gastos limites do novo arcabouço fiscal, diante do aumento das despesas obrigatórias e da retomada dos pagamentos de precatórios.
Segundo Armando Castelar, economista e pesquisador associado do FGV IBRE, os gastos públicos seguem insustentáveis e podem colapsar o arcabouço fiscal, em meio à pressão dos precatórios, emendas e Previdência.
Em entrevista à Revista Problemas Brasileiros, em parceria com o Canal Um Brasil, uma iniciativa da FecomercioSP, Castelar avalia que o problema fiscal brasileiro é estrutural e vem se agravando com o tempo. Segundo ele, o arcabouço fiscal — conjunto de regras criado para substituir o antigo teto de gastos — já nasceu com limitações graves.
O Monitor do Mercado teve acesso exclusivo à entrevista e traz, em primeira mão, a análise do especialista sobre o atual cenário fiscal brasileiro.
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Regras de gasto colidem com a realidade fiscal
Para Castelar, o problema vem da origem. O arcabouço fiscal, aprovado para substituir o antigo teto de gastos, estabelece um limite para o crescimento das despesas públicas, vinculado à evolução da arrecadação. No entanto, gastos obrigatórios — como saúde, educação e previdência — têm crescido acima desse limite.
“O arcabouço é um conjunto de regras inconsistente. Ele tenta limitar o crescimento total do gasto, mas várias despesas obrigatórias continuam crescendo de forma acelerada”, enfatiza.
Por exemplo, as despesas com previdência são impulsionadas pelo reajuste real do salário mínimo, que atualmente é de pelo menos 3% ao ano. Como 60% dos beneficiários recebem o mínimo, qualquer aumento afeta fortemente o orçamento e acaba pressionando as contas da Previdência porque o valor dos benefícios cresce automaticamente.
Emendas parlamentares ganham peso inédito
Outro fator citado por Castelar é o avanço das emendas parlamentares impositivas. São recursos do orçamento indicados por deputados e senadores e que o governo é obrigado a executar.
Atualmente, as emendas parlamentares representam uma parcela expressiva do orçamento federal e, embora previstas na Constituição, aumentam a fragmentação do gasto e reduzem a eficiência do gasto público.
“O problema fiscal no Brasil vem exatamente de você ter políticas localizadas em determinadas despesas que são incompatíveis quando você soma todas elas. A vantagem do teto de gastos era exatamente colocar um ponto que de fato limitava as emendas.”
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Segundo Castelar, a questão mais importante é a eficiência do gasto e as emendas não são necessariamente negativas. “No Brasil, tem-se pouco conhecimento sobre a eficiência do gasto”.
Para o economista, participação do Congresso nas decisões sobre gastos públicos é legítima, mas levanta dúvidas sobre a eficiência da alocação desses recursos. A falta de avaliação de impacto e de análise custo-benefício em muitos projetos reduz a qualidade do investimento público.
Precatórios voltam ao orçamento em 2027
Os precatórios — dívidas judiciais da União já reconhecidas — foram excluídos temporariamente do cálculo do resultado fiscal por decisão do Supremo Tribunal Federal. No entanto, os pagamentos continuam ocorrendo e voltarão oficialmente ao orçamento a partir de 2027.
Especialistas alertam que, mesmo fora do cálculo do resultado primário, esses valores já impactam a dívida pública. O uso de “contabilidade criativa” pode esconder o problema no curto prazo, mas ele continua gerando pressões fiscais.
Carstelar alerta: “Dessa forma, está gerando um risco fiscal não trivial para o país que pode trazer de volta a inflação; pode trazer uma crise séria, como a gente viu quando a contabilidade criativa foi usada 10 anos atrás, no governo da ex-presidente Dilma.”
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Insegurança jurídica como fonte de risco fiscal
A alta litigância e a judicialização excessiva no Brasil também contribuem para a insegurança jurídica, de forma que os investidores não tenham garantia de que as regras em vigor serão respeitadas, o que eleva o risco e desincentiva o investimento produtivo.
Mesmo reformas aprovadas, como a trabalhista, enfrentam resistência em parte do Judiciário, que continua a tomar decisões contrárias ao novo marco legal.
Segundo Castelar, isso reduz a previsibilidade do ambiente de negócios, afastando o capital privado de projetos de longo prazo, e reduz o potencial de crescimento da economia.
“Um fator limitante importante ao desenvolvimento do país, ao crescimento econômico, é a insegurança jurídica, porque ela faz com que o risco seja mais alto e os projetos de investimento se tornem menos interessantes”.
Reforma tributária pode travar o crescimento
Castelar pontua que a reforma tributária pode travar o crescimento e aumentar informalidade. Diferente da primeira fase da reforma, voltada à simplificação de tributos sobre o consumo, a etapa da tributação da renda não tem como principal argumento a eficiência econômica.
O objetivo declarado do governo é redistribuir melhor a carga tributária. No entanto, isso pode implicar aumento de impostos sobre faixas de renda mais altas, o que, segundo analistas, tende a incentivar mecanismos alternativos e muitas vezes informais para evitar a tributação.
“A tendência é você travar o crescimento quando você começa a tributar demais certos segmentos da sociedade. O país terá a maior alíquota de IVA do mundo”, alerta o economista. Segundo ele, isso atua como uma trava estrutural ao crescimento e pode gerar distorções econômicas, inclusive com risco de informalização.
E enfatiza: “Distribuir muito, mas crescer muito pouco, é pior do que às vezes focar mais em políticas de crescimento.”
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Reforma administrativa: uma peça que falta
Para recuperar a capacidade de crescimento, o economista defende que o foco principal deve estar na questão fiscal, pois o aumento contínuo do gasto público força o Banco Central a manter juros elevados para conter a inflação. Isso encarece o crédito e desestimula o investimento.
Segundo Castelar, nesse contexto, a reforma administrativa pode ajudar a elevar a eficiência do setor público, ainda que não seja vista como o principal gargalo do crescimento.
“O custo de capital para as empresas é muito alto e uma taxa de investimento não surpreendente, muito baixa, porque é caríssimo levantar capital para investir, além de questões de carga tributária alta, da segurança jurídica”, diz.
“Empresas fazem reformas administrativas frequentemente. O Estado, com um quadro enorme de pessoal, também deve buscar aferir o desempenho e melhorar a alocação dos recursos”, conclui.
Assista à entrevista na íntegra, com Armando Castelar Pinheiro, pesquisador associado do FGV IBRE à Revista Problemas Brasileiros, em parceria com o Canal Um Brasil, uma iniciativa da FecomercioSP: