As variações do câmbio têm impacto direto sobre o custo de vida dos brasileiros. Um estudo recente da FGV intitulado “O impacto cambial no consumo dos brasileiros e a necessidade de diversificação internacional” mostra que, para proteger o poder de compra, é necessário manter entre 16% e 18% dos investimentos em ativos fora do Brasil, dependendo da faixa de renda.
Segundo especialistas, essa estratégia, chamada de diversificação internacional, serve como escudo contra os efeitos da variação cambial, inclusive sobre a inflação.
Segundo o professor Ricardo Rochman, Coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), o brasileiro ainda não tem conhecimento sobre o impacto do câmbio sobre o custo de vida.
“Cerca de 16% a 18% da cesta de consumo de um brasileiro, é medido pelo IPCA, ou seja, está ligado ao câmbio, podendo variar de acordo com as despesas, desde os alimentos ao transporte e hábitos de vida. Para neutralizarmos o efeito do câmbio, é isso que o brasileiro deveria ter de investimentos atrelados à variação cambial”, explica o professor.
A fala ocorreu em uma releitura dessa pesquisa da FGV, junto à Anbima, durante o Avenue Connection, que acontece em São Paulo entre os dias 16 e 18 de julho.
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Como o câmbio afeta o bolso do brasileiro
O estudo propõe uma simulação em que o real se desvalorizou 20% frente ao dólar. Considerando que 30% da cesta de consumo de uma família depende de itens cotados em dólar, e o investidor não tiver nenhuma proteção cambial, ele sentirá o impacto total dessa alta nos preços. Porém, se ele tiver 30% dos investimentos atrelados ao dólar, estará neutro a esse movimento.
A diversificação internacional atua, portanto, como uma proteção inflacionária complementar; especialmente relevante em um país como o Brasil, cuja cesta de consumo tem grande exposição indireta a produtos importados.
Segundo Rochman, mesmo com a alta de impostos, como o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), vale mais a pena investir no exterior, até mesmo como forma de gerenciar o risco da carteira, contornando o risco causado por incertezas políticas no mercado brasileiro.
Câmbio pressiona consumo com atraso
Segundo o professor Sérgio Rochman, o efeito da variação cambial não é imediato. “No final do ano passado, tivemos uma grande desvalorização do real frente ao dólar. Menos de 10% desse impacto apareceu logo em seguida. O restante ainda está aparecendo agora na cesta de consumo e continuará aparecendo até o final de 2025”, explica.
Isso ocorre porque os produtos e serviços passam por ciclos produtivos que levam semanas ou até meses até chegarem ao consumidor. “Quando chegarmos a novembro ou dezembro deste ano, ainda estaremos sentindo os efeitos da desvalorização cambial do final de 2024”, afirma.
Por isso, ele ressalta: “O investidor precisa manter, durante o ano todo, entre 16% e 18% da sua carteira atrelada à variação cambial, porque os efeitos do câmbio se espalham ao longo do tempo.”
Peso das importações na inflação
As importações representaram 10,1% do PIB brasileiro entre 2013 e 2023. Embora o Brasil mantenha superávit comercial, a maioria dos produtos importados está ligada à indústria de transformação (90%), enquanto as exportações se concentram em commodities (também mais de 90%), como soja, minério e petróleo.
Isso significa que a exportação não compensa o impacto da alta do dólar nos preços dos produtos consumidos internamente. Ou seja, não há um offset (compensação) natural para o impacto cambial no consumo.
Dessa forma, os setores mais afetados pela variação cambial são:
- Eletrônicos: fortemente dependentes de peças importadas.
- Veículos e Autopeças: mesmo com produção nacional, há alta dependência externa.
- Combustíveis: parte da gasolina e do diesel é importada.
- Medicamentos: muitos princípios ativos são produzidos fora do país.
- Alimentos: insumos como trigo são importados.
- Vestuário: marcas internacionais e tecidos vêm do exterior.
Mesmo produtos nacionais, como o café, carregam consigo o impacto do dólar, por frequentemente dependerem de insumos importados, como máquinas, embalagens, tecnologias de torra e até mesmo o transporte e a logística são influenciados pela coração da moeda, o que amplia o impacto do câmbio na inflação.
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10% a 25% da inflação tem origem cambial
Estudos indicam que entre 10% e 25% da cesta de consumo dos brasileiros é afetada por variações cambiais, direta ou indiretamente, dependendo da metodologia utilizada.
Esse impacto é maior em setores como eletrônicos, medicamentos e combustíveis, e é sentido em todas as faixas de renda, com maior intensidade nas camadas mais pobres da população.
Apesar do impacto do câmbio, o investidor brasileiro mantém a maioria dos recursos aplicados no mercado interno, comportamento conhecido como viés doméstico.
Segundo dados da Anbima:
- Apenas 1,11% da renda fixa está no exterior
- Nos fundos de ações, o número é 1,97%
- Em multimercados, sobe para 7,71%
- A média ponderada entre as três categorias é de apenas 1,56%
Isso coloca o Brasil entre os países com menor diversificação internacional do mundo, segundo levantamento do FMI.
Tatiana Itikawa, Superintendente de Representação de Mercados da Anbima, esclarece sobre a importância da atuação de orgãos reguladores para avançar as fronteiras dessa internacionalização e romper aquilo que a gente chama de viés doméstico.
Ela atribui esse viés à ausência de educação financeira e falta de conhecimento das oportunidades de investimento no exterior: “O investidor brasileiro ainda não entende o benefício da diversificação que o câmbio traz.”
Itikawa ressalta a importância de acompanhar as transformações globais: “Lá fora se fala de inteligência artificial, computação quântica… o futuro já está acontecendo lá. Não temos essas empresas no Brasil. Lá fora, eu tenho essa possibilidade.”
Na B3, a única ação relevante no setor de tecnologia é a Totvs. No exterior, o investidor pode acessar ações como Apple, Google, Nvidia e outras gigantes.
Segundo estudos internacionais, 25% a 30% da carteira dos americanos está aplicada fora dos Estados Unidos. No Brasil, o índice não chega a 5%.
Diversificar reduz riscos e amplia oportunidades
Segundo especialistas, há duas estratégias principais para mitigar o risco cambial: hedging (proteção cambial), com uso de contratos futuros ou opções cambiais e diversificação, com alocação de ativos em diferentes moedas e regiões.
Com essas estratégias, o investidor evita que flutuações cambiais desestabilizem seu padrão de vida. Além de proteger contra a inflação cambial, a diversificação internacional permite:
- Redução do risco total da carteira, conforme o artigo clássico de Bruno Solnik (1973)
- Exposição geográfica a diferentes regiões políticas e econômicas
- Acesso a setores não presentes na B3, como tecnologia, biotecnologia e semicondutores
Exemplo disso é o desempenho das chamadas FANGs (Meta, Amazon, Apple, Netflix e Google), que renderam 340% desde 2020, contra 85% do S&P 500 e apenas 28% do Ibovespa.
Impacto do câmbio por faixa de renda
Segundo dados do Ipea, que analisaram mais de 200 observações mensais entre 2006 e 2024, o efeito do câmbio varia conforme a renda:
- Renda Muito Baixa: impacto de 13,93%
- Renda Baixa: impacto de 13,88%
- Renda Média: impacto de 12,73%
- Renda Média Alta: impacto de 12,03%
- Renda Alta: impacto de 11,07%
Com a inclusão dos gastos em viagens e educação no exterior (US$ 19,5 bilhões em 2023), os percentuais sobem para:
- Renda Média Alta: 14,68%
- Renda Alta: 13,72%
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O segredo é pensar no longo prazo
Para Rochman, o momento de incerteza, com instabilidades políticas e econômicas, como as tarifas propostas por Trump, reforça a importância de diversificação e visão de longo prazo: “Investir é pensar no futuro. Não no curto prazo. O governo Trump uma hora vai acabar. As coisas se acomodam.”
Ele aponta o próprio IOF sobre investimentos no exterior como um estímulo à internacionalização, e lembra que o investidor pode manter seus recursos lá fora ou aplicar em ativos atrelados ao dólar aqui no Brasil.
“É uma forma de gerenciar risco. Posso investir no exterior diretamente ou em ativos cambiais aqui. Ambas as formas ajudam a proteger minha carteira.”