O setor bancário enfrenta um aumento expressivo da inadimplência no agro neste ano. Mesmo com projeções de safra recorde de milho e colheita robusta de soja, fatores como queda nos preços das commodities, endividamento elevado e maior número de recuperações judiciais (RJ) têm pressionado as instituições financeiras.
Além do tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre o Brasil, que pode reduzir a competitividade do setor, outro fator importante que adiciona incerteza ao cenário é o aumento significativo de pedidos de recuperação judicial (RJ).
Ainda, o impacto da resolução 4.966 do Banco Central (BC), que altera as regras de provisionamento e implementa o conceito de “perda esperada”, conforme publicado pelo Valor Econômico, também pressionam o setor.
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Guto Gioielli, analista do Portal das Commodities, explica que “Nos últimos quatro anos, o país tem testemunhado alterações climáticas expressivas, caracterizadas por secas persistentes em algumas áreas e chuvas intensas em outras”.
“Essa instabilidade na produção agrícola, combinada com a queda dos preços de alguns produtos, como soja e milho, contribuiu significativamente para o aumento da inadimplência”, completa o especialista.
Banco do Brasil é o mais afetado pela inadimplência no agro
Com quase 50% de participação no crédito agro, o Banco do Brasil (BB) é o mais impactado. A inadimplência no segmento atingiu 3,94%, valor recorde, ante 2,45% em 2024 e 0,96% no fim de 2023.
A carteira do banco soma R$ 404,9 bilhões e cerca de 20 mil clientes estão inadimplentes, sendo que 74% deles nunca haviam atrasado pagamentos até 2023. A maior parte dos calotes está concentrada no Centro-Oeste e Sul, em culturas de soja, milho e bovinos.
O BB também contabiliza 808 clientes em recuperação judicial, com dívidas que somam R$ 5,4 bilhões. O movimento ganhou força após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2020, que equiparou grandes produtores rurais a empresas, permitindo que solicitem RJ na pessoa física.
A inadimplência total do BB, considerando atrasos superiores a 90 dias, alcançou 4,21% no segundo trimestre, contra 3,86% no trimestre anterior e 3% um ano antes. O lucro do banco caiu 60% no período.
No agronegócio, a inadimplência avançou de 1,32% em junho de 2024 para 3,04% em março e 3,49% em junho de 2025. O movimento também atingiu outros segmentos:
- Pessoa Física: 5,59% em junho de 2025 (5,10% em março e 4,81% em junho de 2024);
- Empresas: 4,18% (4,06% em março e 3,38% no ano anterior).
“O agro sempre foi apontado como um grande diferencial, até mesmo uma vantagem do BB em relação aos outros grandes bancos brasileiros, mas nesse momento a história mudou bastante e o agro tem sido o vilão. O impacto nas ações, tem relação com expectativas. De certa forma, a situação já era conhecida, mas a piora vai além do que era esperado. Muitos participantes olham para a situação e interpretam que o buraco pode ser mais embaixo, não sendo apenas uma questão cíclica, mas estrutural”, analisa André Ribeiro, CEO da Wise Asset.
Expansão do crédito no agro e pressão sobre o caixa
Apesar da piora, a carteira de crédito agropecuário do BB cresceu 8% em 12 meses. A linha de custeio aumentou 13,9% e a de investimento, 13,1%.
Dados do Banco Central mostram que o crédito rural para pessoas físicas somava R$ 539,8 bilhões em junho (+7,5% em um ano), enquanto para pessoas jurídicas eram R$ 99,3 bilhões (+9,4%). Nesse mesmo período, a inadimplência entre pessoas físicas no setor dobrou, de 1,5% para 3,5%.
A Serasa Experian registrou 389 pedidos de RJ no agro no primeiro trimestre deste ano, o que representa uma alta de 21,5% em relação ao quarto trimestre e de 44,6% frente ao início de 2024.
O Diretor de agronegócio do Serasa, Marcelo Pimenta, explica que “Muitos produtores enfrentam custos altos, prazos longos para receber, maior exigência de garantias e dificuldades na rolagem de dívidas, fatores que pressionam o caixa e reduzem as margens para manobras”.
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Perspectiva dos bancos privados
Segundo dados publicados pelo Valor, o CEO do Santander, Mario Leão, cuja carteira agro soma R$ 22,4 bilhões, prevê dificuldades persistentes: “Estamos possivelmente vivendo o momento mais duro do ciclo do agro, mas em algum momento isso vai voltar”.
O CEO do Itaú, Milton Maluhy Filho, avalia que os últimos dois anos foram mais desafiadores para o setor. Ele destacou, no entanto, que o banco conseguiu limitar os impactos. “Isso é consequência de uma gestão de portfólio muito ativa, feita de forma cuidadosa, com boas garantias”.
Segundo Maluhy, com mais de R$ 130 bilhões em carteira de crédito ao agro, o Itaú teve apenas 5% de participação nos pedidos de RJ do setor, uma proporção considerada baixa.
Já Marcelo Noronha, CEO do Bradesco, cujas linhas de crédito rural do Bradesco somam R$ 79,4 bilhões, afirma que a inadimplência está controlada em sua carteira. “O agro do Brasil é o mais competitivo do mundo, o mais produtivo em todas as culturas. É claro que, se tem uma cultura ou outra que tenha dificuldade maior, a gente tem de captar isso nos nossos modelos, avaliando o segmento, geografia, por cliente. Não entramos em culturas que tenham problemas e muitas das linhas têm garantia”.
Inadimplência no agro também pressiona cooperativas
Entre as cooperativas, o Sicredi também relatou aumento da inadimplência, variando conforme a região. “O momento exige atenção e gestão ativa”, disse a instituição.
O sistema cooperativo também observa elevação nos pedidos de recuperação judicial. “Acompanhamos com atenção o crescimento de RJ no agro, especialmente em regiões com dificuldades climáticas e econômicas. É importante distinguir os casos legítimos daqueles em que há uso estratégico do instrumento, o que pode prejudicar a cadeia produtiva e a disponibilidade de crédito”.
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Plano Safra e perspectivas para o setor
O governo anunciou que o Plano Safra 2025/26 terá R$ 594,4 bilhões em recursos, sendo R$ 516,2 bilhões destinados a médios e grandes produtores e R$ 78,8 bilhões para agricultura familiar. O valor representa alta de apenas 1,69% em relação à safra anterior, abaixo da inflação acumulada de 5,32%.
Como o Plano Safra 2024/25 sofreu atrasos, muitas operações vencerão entre julho e setembro de 2025, fator que deve manter a inadimplência pressionada no terceiro trimestre.
O BB, por sua vez, busca mitigar riscos adotando medidas como a substituição de garantias (de penhor e hipoteca para alienação fiduciária, mais rápida de executar), reforço na cobrança e maior judicialização de casos.