Apesar das medidas recentes de política econômica adotada pelos Estados Unidos, a dominância do dólar vem sendo amplamente questionada pelo mercado.
Em meio à volatilidade observada nos últimos meses atribuída a múltiplos fatores, o dólar deve cair “no mínimo entre 5% e 10%” nos próximos dois ou três anos, afirmou ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kenneth Rogoff durante o Macro Vision 2025, evento realizado pelo Itaú BBA, em São Paulo nesta segunda-feira (29).
Ele ressaltou que, embora seja difícil prever o caminho do dólar, a teoria acadêmica de análise de câmbio indica que quando uma moeda está distante de seu poder de compra, ela tende a se depreciar, situação que, segundo ele, se aplica ao dólar atualmente.
“O dólar vai ainda cair muito; eu diria um mínimo de 5% a 10%. Não sei quando ou como vai ser, mas eu diria que nos próximos dois, três anos a probabilidade é alta”, afirmou Rogoff.
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Rogoff lembrou que o dólar já passou por períodos de altos e baixos, como após a Primeira Guerra Mundial e na década de 1970, quando perdeu participação como moeda de reserva.
“O dólar, mesmo se pensarmos na Primeira Guerra Mundial, teve altos e baixos. Em 1950, foi colocado num pedestal ao final da Segunda Guerra Mundial. A Europa não está mais indexando sua moeda ao dólar, perdemos a Europa particularmente na década de 70. O dólar perdeu grande participação como moeda de reserva, apesar de ainda ser líder.”
Dólar, soft power e hard power
Rogoff explicou que há uma estratégia para fortalecer a dominância do dólar por meio de políticas do governo Trump, substituindo o chamado soft power (influência baseada em rede e cooperação) por hard power, um poder mais combativo e centralizado.
“Essa conversa da erosão do dólar é para fortalecer o dólar, para reafirmar seu papel dominante no mundo. A administração Trump está fazendo essa jogada. É substituir o que a gente chama de soft power por hard power”, disse.
O futuro dos stablecoins ante o dólar
O economista comentou que as stablecoins, moedas digitais atreladas a ativos reais, são uma tentativa de ruptura com o dólar. Rogoff vê vantagens em moedas digitais emitidas por Bancos Centrais, mas alerta para os riscos das stablecoins, que já atingem um valuation de US$ 500 bilhões.
“Stablecoins são uma tentativa de disrupção de todos que estão saindo do dólar. Meu instinto é que é uma melhor ideia ter moedas digitais pelo Banco Central, mas os stablecoins são aquele matador das criptomoedas. Elas estão sendo usadas numa economia paralela e estão crescendo muito; acho que vai ter muito problema com stablecoins, principalmente na correção com o câmbio”, disse Rogoff.
Ele também alertou que essas moedas podem substituir cartões de débito e crédito e criar um mercado paralelo ao dinheiro físico, como previsto na nova lei chamada Genius Act.
“Elas não estão substituindo somente o dinheiro vivo, estão substituindo tudo. Isso pode ser um grande erro. Mas mesmo assim, no longo prazo, não vai prejudicar tanto o sistema de pagamento. Vai acabar sendo integrado ao sistema.”
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Sistema multipolar e outras criptos alternativas ao dólar
Rogoff defende que o mundo caminha para um sistema financeiro multipolar, com participação do euro, moedas asiáticas e criptomoedas.
Segundo o economista, “talvez seja eficiente ter o dólar como dominante, mas isso não é de interesse da Europa, da China, do Brasil. Acredito que vamos voltar a um sistema mais multipolar: o euro pode ganhar parte do mercado que perdeu; na Ásia teremos uma moeda importante e cripto também pode ganhar espaço, devido à política recente dos Estados Unidos. As estimativas do Banco Mundial indicam que 20% ou mais da economia global usa criptomoedas”, afirmou.
Impactos da dolarização para países emergentes
Rogoff destacou que a dolarização ainda é relevante, mas a inteligência artificial e tecnologias digitais estão acelerando as mudanças no mercado global.
O ex-chefe do FMI diz que é eficiente termos o dólar como moeda central, no entanto, os países devem abraçar um sistema mais multipolar. Segundo ele, isso vale para o comércio e para a espinha dorsal de todos os negócios.
“O Brasil está desenvolvendo sua própria plataforma de desenvolvimento digital, a Índia, a China e a Europa também. Os países não vão querer depender apenas do dólar”, enfatizou.
Políticas de Trump e relações com o Fed
Rogoff comentou sobre a atuação de Donald Trump e suas consequências para o dólar e o Fed: “O que ele está fazendo não é surpresa, mas a velocidade, o propósito e a competência com que ele executa sua visão é marcante. Trump Declarou uma guerra econômica contra China, Brasil, Canadá e outros, e está centralizando o poder executivo. Isso será danoso para o dólar a longo prazo.”
Sobre o Federal Reserve (Fed) Rogoff disse que livrar-se do Fed será danoso para o dólar e terá impacto sobre a inflação: “A inflação vem devagar, mas virá. Teremos mais volatilidade de taxas de juros e câmbio, o que não é bom porque os EUA são a moeda reserva global.”
Rogoff alerta ainda para riscos fiscais e geopolíticos, dizendo que os EUA enfrentam alto endividamento e risco de crise fiscal, assim como outros países desenvolvidos, enquanto a inteligência artificial aumenta a demanda por eletricidade e produtividade, mas não necessariamente a receita fiscal.
“Existe mais probabilidade de que nos próximos 4 ou 5 anos os EUA terão problemas fiscais sérios. A França já está com esses problemas. A inteligência artificial aumenta a produtividade, mas não aumenta a receita do governo”.
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“Ouro é o novo ouro”
Rogoff reforçou o papel do ouro como ativo de reserva e que o aumento no ouro nos últimos anos foi apenas uma percepção dos Bancos Centrais de que eles queriam ter mais ouro.
No pregão desta segunda-feira, as reservas de ouro do governo norte-americano ultrapassam US$ 1 trilhão; renovando sua máxima histórica. O novo recorde foi impulsionado pela desvalorização do dólar frente a pares (DXY: -0,39%), em meio à cautela diante do risco de paralisação do governo americano.
O estoque do metal precioso dos EUA totaliza agora cerca de 261,5 milhões de onças, segundo dados do Tesouro americano.
Segundo o economista, “a crença de que os Bancos Centrais vão perceber que bitcoins são o novo ouro, que eles devem deter isso, é uma pergunta frequente, mas eu sempre respondo que o ouro, na verdade, é o novo ouro. Eu não consigo prever quais serão os preços, mas o acúmulo de ouro para os Bancos Centrais vai continuar”, concluiu.