“Empresas do agronegócio que estão entrando em recuperação judicial devem se arrepender em quatro anos.” O alerta é de Moacir Teixeira, economista e sócio fundador da Ecoagro, em meio à disparada dos pedidos de recuperação judicial no agro brasileiro.
Segundo ele, o alto custo jurídico, a lentidão do Judiciário e a frustração de expectativas tornam o instrumento menos eficiente do que parece, num momento em que juros elevados e crédito mais restrito pressionam produtores e empresas do setor.
Teixeira afirma que, ao analisar esse período no futuro, o mercado deve concluir que a recuperação judicial não foi o melhor caminho. Para ele, a alternativa mais eficiente envolve ajustes graduais.
“O melhor caminho vai se trabalhando aos poucos, com uma boa gestão empresarial, seja do produtor, seja da indústria, seguida da diminuição da alavancagem e por parte do investidor entender melhor a realidade do produtor.”
Segundo o executivo, o atual patamar de juros compromete planejamentos feitos no passado: “Com as taxas de juros nos patamares atuais, tudo que se planejou há três anos ficou pelo caminho.”
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Crescimento recorde dos pedidos de recuperação judicial
De acordo com dados da Serasa Experian divulgados nesta terça-feira (16), os pedidos de recuperação judicial no agronegócio cresceram cerca de 150% no terceiro trimestre deste ano na comparação anual.
O volume foi o maior da série histórica da datatech, que reúne dados desde 2021. Na comparação com o segundo trimestre, o avanço foi de 11,15%.
De acordo com Marcelo Pimenta, head de agronegócio da Serasa Experian, os números refletem dificuldades crescentes de produtores rurais e empresas do setor em manter o fluxo de caixa e honrar compromissos financeiros.
Segundo ele, parte dos produtores vem rolando dívidas — prática que consiste em postergar pagamentos por meio de novos financiamentos — sem reduzir custos ou revisar estruturas patrimoniais, especialmente em casos de expansões mal planejadas.
Recuperação judicial e desequilíbrio entre credores e devedores
Para Teixeira, a recuperação judicial cria distorções no ambiente jurídico e de crédito. “A recuperação judicial é muito mais pró-devedor do que credor, o que é um desafio para o mundo jurídico: resolver com equilíbrio as necessidades dos dois lados. Mesmo que haja mudanças no contrato de recuperação judicial e evolução conforme as instâncias, não é a solução.”
O economista avalia que o ambiente macroeconômico também limita a capacidade de reação das empresas: “a taxa de juros está muito alta. Espera-se que ela comece a arrefecer a partir do ano que vem, porque você não consegue gerar margem para poder pagar com os juros altos como agora.”
Aproximação do agro com o mercado de capitais
Teixeira afirma que o empresário do agro evita investir diante do risco de não gerar receita suficiente para pagar financiamentos caros. Esse cenário, segundo ele, leva a um ciclo de baixo investimento.
O executivo destaca ainda a recente aproximação entre o agronegócio e o mercado de capitais: “O mercado de capitais está há muito pouco tempo em conjunto com o agronegócio; e ele chegou porque falta dinheiro das políticas públicas.”
Segundo Teixeira, a tendência é de redução dos recursos governamentais e maior dependência de instrumentos privados. Ele estima que a cada dia deva ter menos dinheiro no governo financiando, com tendência de que o agro busque mais o mercado de capitais, o mercado financeiro e os planos safras como veículos de desenvolvimento.
“O Brasil é o principal player; está faltando a gente criar os mecanismos para simplificar a insegurança jurídica”, enfatiza.
Crédito mais rígido com o recorde de recuperação judicial no agro
O aumento das recuperações judiciais também impacta diretamente a concessão de crédito. Segundo Guilherme Campos, secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, os bancos passaram a adotar critérios mais rigorosos.
Campos afirma que esse é hoje o principal fator que afeta o crédito rural. Ele também alerta que, em muitos casos, a recuperação judicial é apresentada como solução por escritórios de advocacia, mas não necessariamente se mostra eficaz no médio e longo prazo.
Para Renato Buranello, sócio da VBSO Advogados e especialista em Direito Comercial, o cenário de crédito difícil deve persistir no próximo ano, considerando juros elevados, margens menores e quebra de safra em algumas regiões.
“Temos de fato um mau-humor do mercado em relação à renovação de operações e principalmente novas linhas a partir do ano que vem.”
Segundo ele, o volume recorde de recuperações judiciais torna o ambiente ainda mais estressante. “A gente tem uma preocupação muito séria de que a liquidez no próximo ano seja muito grande com uma inflexão total de crédito. Nesse cenário de falta de crédito, vai faltar produção, diminuir produtividade e diminuir o investimento no país.”
Buranello avalia que as iniciativas de crédito anunciadas pelo governo são insuficientes para atender às demandas do setor, desde o produtor pessoa física até a agroindústria. Ele observa que, a cada ano, a safra tem participação proporcionalmente menor de financiamentos oficiais.
Como alternativas, ele cita o crédito privado, o mercado de capitais, crowdfunding, Fiagro e outras estruturas voltadas à captação de poupança privada para suprir a ausência de instrumentos públicos a partir de 2026.
“O ideal é colocar facilidades dentro dessas estruturas para que, de fato, todos possam acessar. Isso leva tempo, maior governança do produtor, mas necessariamente não tem caminho de volta. Esse é o futuro.”
Selic elevada e o capital externo como alternativa
Buranello ressalta que a taxa Selic elevada pressiona resultados e balanços das empresas: “enquanto a gente tiver uma Selic tão alta, margens baixas, a questão eventual de liquidez menor, menor resultado de cada unidade produtora, isso vai fazer com que os números de balanço piorem e o número de RJs também preocupem.”
Ele complementa que o custo do dinheiro afeta toda a cadeia: “a Selic alta não beneficia ninguém. Se a taxa base já é alta, o governo paga caro pelo próprio dinheiro, imagina o que o privado vai pagar. E aí, o agro dá margem para poder pagar esses juros? Essa conta não está fechando.”
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Nesse contexto, o especialista aponta o surgimento de oportunidades de financiamento externo, como CRA em dólar e CPR dolarizada: “com um mercado nacional tão fechado, tão arredio, a alternativa lá fora pode ser bem mais barata.”
Para Buranello, “a precificação em dólar nas bolsas internacionais se alinha à lógica da economia agrícola, considerando o fato de a economia agrícola ser dolarizada. Esse é um grande caminho a percorrer, só que precisa ser mais exercitado”, conclui.

