Fontes de energia solar e eólica atenderam juntas a mais de um terço da demanda de eletricidade do Brasil em agosto. É a primeira vez que o país atinge esse patamar, segundo dados do governo analisados pelo think tank de energia Ember, publicados pela Associated Press nesta quinta-feira (11).
No período, os recursos responderam por 34% da geração no mês, produzindo um recorde de 19 terawatts-hora (TWh), energia suficiente para abastecer cerca de 119 milhões de residências médias no país.
Esse resultado superou o recorde anterior de 18,6 TWh, registrado em setembro de 2024, e ocorreu em meio à queda da produção hidrelétrica, que atinge o menor nível em quatro anos.
Segundo Raul Miranda, Diretor Global de Programas da Ember, com sede no Rio de Janeiro, “O Brasil mostra como uma economia em rápido crescimento pode atender à sua demanda crescente por eletricidade com solar e eólica”
Miranda afirma ainda que as energias solar e eólica são a combinação perfeita para os recursos hidrelétricos do Brasil, capazes de aliviar a pressão em anos de seca. “Um mix diversificado é uma estratégia fundamental para enfrentar os riscos relacionados às mudanças climáticas”, afirmou.
- O Copy Invest do Portal das Commodities já transformou a forma de investir em futuros — clique aqui e veja como aplicar na prática.
Queda das hidrelétricas e baixa dependência de fósseis
Segundo análise, as hidrelétricas responderam por 48% da eletricidade em agosto, segundo mês na história em que forneceram menos da metade da matriz nacional.
Mesmo com a baixa produção hídrica, as usinas fósseis, movidas principalmente a gás natural, carvão e petróleo, representaram apenas 14% da geração, ou 7,8 TWh.
Em anos de seca anteriores, o uso de fósseis aumentou para cobrir a falta de energia, chegando a 26% em agosto de 2021. Segundo a Ember, o rápido crescimento no setor de energia solar e eólica ajudou o Brasil a evitar aumentos semelhantes neste ano.
Energia solar e eólica transformam matriz energética
As frentes de energia solar e eólica também estão remodelando a matriz elétrica brasileira. Em 2024, responderam por 24% da eletricidade do país, mais que o dobro da participação registrada cinco anos antes.
A energia solar passou de pouco mais de 1% em 2019 para 9,6% em 2024, enquanto a eólica subiu de 8,8% para 15% no mesmo período.
As emissões do setor elétrico atingiram o pico em 2014 e, até 2024, caíram 31%, mesmo com o aumento de 22% na demanda por eletricidade.
A Ember atribui essa redução a um crescimento de 15 vezes na geração eólica e solar, superando o aumento da demanda e reduzindo a geração fóssil em 45%.
- Enquanto você lê esta notícia, outros investidores seguem uma estratégia validada — veja como automatizar suas operações também.
Recorde reflete anos de investimento em energia solar e eólica
Para Ricardo Baitelo, Coordenador de Projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente, o recorde de produção de energia renovável no mês de agosto reflete mais de uma década de crescimento constante da capacidade instalada de solar e eólica, com expansão acelerada da solar nos últimos anos.
“Esse número já era esperado, porque a capacidade instalada dessas fontes vem sendo construída há pelo menos 15 anos e, mais recentemente, com a energia solar. Mas é sem dúvida simbólico, porque mostra essas fontes contribuindo com uma fração significativa da eletricidade em um dado momento, comprovando que elas são importantes. Não são fontes alternativas, já são parte representativa da matriz elétrica do Brasil”, afirma Baitelo.
Ele complementa que o marco evidencia a transição do país de um sistema quase totalmente baseado em hidrelétricas para outro sustentado em três pilares: hídrica, solar e eólica. E enfatiza que o Brasil é o único país do G20 atualmente no caminho para atingir a meta de ampliar fortemente a energia renovável nos próximos cinco anos — compromisso assumido na cúpula climática da ONU (COP28), em Dubai, 2023.
“Esse é o grande alerta, uma luz amarela que pode se tornar vermelha. E o Brasil precisa adotar medidas urgentes para não perder essa condição e esse bom exemplo de expansão da solar e da eólica”, finaliza.
Paulo Pedrosa, presidente da Abrace Energia, que representa grandes consumidores, afirmou que a forte dependência de subsídios para expandir renováveis, especialmente a solar residencial, criou distorções no mercado.
“O excesso de modelos de subsídio à energia renovável aumentou o custo da energia e, ironicamente, incentivou a contratação de térmicas caras, necessárias para manter o equilíbrio do sistema quando não há vento nem sol”, afirmou Pedrosa.
Para ele, o país deveria direcionar sua energia limpa e de baixo custo para impulsionar a produção industrial e a competitividade, ao mesmo tempo em que contribui para a descarbonização global.
Nesse contexto, Baitelo alerta ainda que, sem reformas, interesses ligados aos combustíveis fósseis podem aproveitar os próximos leilões para expandir a geração térmica, elevando as emissões de gases de efeito estufa, mesmo com o avanço das renováveis.
Desafios do Sistema Interligado Nacional (SIN)
Segundo Pedro Côrtes, especialista em Clima e Meio Ambiente, em artigo publicado pela CNN, o Brasil vive um paradoxo energético. O avanço das fontes eólica e solar transforma a matriz elétrica e consolida o país como referência internacional, mas também evidencia gargalos importantes no Sistema Interligado Nacional (SIN), responsável por distribuir energia entre as regiões. Quando há excedente em uma região, parte da energia pode ser transferida para locais onde a geração não é suficiente.
Côrtes chama atenção para o fato que a demanda por energia elétrica tem crescido nos últimos dois anos. “Em determinados momentos, a oferta de renováveis supera a demanda, como ao meio-dia, quando a geração solar atinge seu pico, ou em períodos de ventos fortes no Nordeste. Nessas situações, os preços de curto prazo caem, o que reduz a remuneração das empresas geradoras e pode impactar o planejamento financeiro”, explica.
Ele esclarece também que a intermitência das fontes renováveis (variação do vento e da luz solar) exige que hidrelétricas fiquem em standby para suprir a rede nacional em caso de queda na geração, aumentando custos e gerando uma maior complexidade operacional.
- Chega de operar no escuro: conheça a ferramenta que automatiza seus investimentos — acesse agora e fale com nosso time no WhatsApp.
Outro ponto abordado pelo especialista é a concentração de projetos em determinadas regiões. Côrtes enfatiza que Nordeste concentra grande parte das usinas solares e eólicas, mas a rede de transmissão nem sempre consegue escoar toda a energia para os centros consumidores do Sudeste e Sul.
Nesses casos, segundo ele, o ONS (que gerencia o Sistema Interligado Nacional – SIN) reduz a geração dessas fontes em um processo denominado curtailment, garantindo a estabilidade da rede.
A fim de resolver esses problemas, o especialista esclarece que parte do excedente poderia ser usada para encher reservatórios de hidrelétricas reversíveis, criando retaguarda para momentos de baixa geração eólica e solar.