A Bolsa de Valores brasileira vive um movimento de retração que não se via desde 2021. Neste ano, a B3 já perdeu 14 empresas, passando de 439 para 425 companhias listadas, em meio a juros altos, fusões e fechamento de capital.
Segundo analistas, essa redução é reflexo de um mercado de ações menos atrativo para captação e de um ambiente de negócios em que o crédito privado e as operações corporativas voltam a ganhar força.
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O especialista em direito societário e mercado de capitais, André Vasconcellos explica que, “não se trata de uma fuga da Bolsa, mas de um realinhamento de expectativas”.
As empresas, segundo ele, vêm buscando por alternativas de financiamento mais ágeis, como o mercado privado ou fundos de private equity, preservando boas práticas de governança sem o ônus integral da listagem.
Gol e Banco Pan puxam nova onda de saídas da B3
O movimento de saída da B3 (B3SA3) se intensificou nesta segunda-feira (13), quando a Gol e o Banco Pan anunciaram planos para deixar a Bolsa.
No caso da Gol, o fechamento de capital faz parte da reestruturação da holding Abra, que também controla a Avianca e a Wamos Air. A aérea convocou assembleia para 4 de novembro e, se aprovado, o processo abrirá caminho para uma futura listagem no exterior.
A Abra aumentou sua participação na Gol de 52% para 80%, reduzindo a fatia de investidores minoritários e o free float, hoje em apenas 0,78%, abaixo do mínimo exigido pela B3.
A saída marca uma reviravolta histórica: em 2004, a Gol foi uma das companhias que lideraram o retorno dos IPOs à antiga Bovespa, após anos de estagnação.
Já o Banco Pan será incorporado pelo BTG Pactual, seu controlador, em uma operação de troca de ações. Cada ação preferencial do Pan será substituída por 0,2128 da unit do BTG.
O banco, fundado sob o grupo Silvio Santos, abriu capital em 2007 e deixará de ser listado até o fim deste ano, após aprovação dos acionistas.
Onda de OPAs e secas de IPOs
O movimento de fechamento de capital tem sido crescente desde 2021, quando o Nubank realizou o último IPO relevante na B3. De lá para cá, 42 empresas registraram ofertas públicas de aquisição (OPAs) na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), somando R$ 17 bilhões.
Só em 2025, nove companhias já anunciaram operações do tipo, incluindo Zamp, Santos Brasil, Kora Saúde, Eletromídia e Serena Energia.
Enquanto isso, não há previsão de novas ofertas iniciais de ações no curto prazo. Bancos de investimento estimam que o mercado de IPOs deve reaquecer apenas em 2027, após as eleições presidenciais e a definição da política econômica do novo governo.
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Fatores contábeis, financeiros e estratégicos pesam na saída da B3
Felipe Pontes, PhD em Contabilidade voltada ao mercado de capitais, avalia que a decisão de sair da bolsa tem sido motivada por uma combinação de fatores contábeis, financeiros e estratégicos, com fortes semelhanças às tendências globais.
Entre esses motivos, pesam sobre as empresas de médio porte a burocracia e os custos com auditoria, governança e conformidade regulatória, além da pressão por resultados.
Segundo Pontes, o ritmo trimestral de divulgação de balanços e a volatilidade do mercado limitam decisões de longo prazo. Fechar o capital devolve autonomia para reestruturações estratégicas.
O especialista analisou o cenário de algumas empresas que estão deixando a Bolsa este ano:
- Azzas 2154 (ex-Arezzo & Co): pode estar ligada ao baixo valuation (P/VP de 0,6x) e à dificuldade de escala no varejo de moda, em meio a margens pressionadas e alavancagem de 1,6x. A fusão com o Grupo Soma, que tinha ROE negativo (-22%) e lucros em queda, o que reforça que ambas estavam fragilizadas e encontraram na união uma forma de sobrevivência no mercado de capitais.
- Banco Pan: com ROE de 9% e múltiplos elevados (P/L de 16x, P/VP de 1,6x), o banco mostrava rentabilidade modesta e pouca atratividade. O fechamento parece ser motivado por reorganização do grupo controlador (BTG) e falta de interesse do investidor institucional.
- Carrefour Brasil: com ROE de 10% e alavancagem de 2,7x, o grupo mostra rentabilidade em recuperação, mas margens e liquidez pressionadas. Sua liquidez corrente inferior a 1 indica estrutura enxuta de capital de giro. Em relação ao Grupo Pão de Açúcar, que tem ROE negativo (-41%) e P/VP abaixo de 1, o Carrefour mostra situação mais sólida, mas o setor como um todo enfrenta pressão de margens e consumo enfraquecido.
- Cielo: com perda de rentabilidade (ROE caiu de 16% para 10%) e alta alavancagem (de 1,5x para 3,1x), diante de concorrentes como Stone e PagSeguro, que operam com margens mais leves e modelos mais ágeis. O fechamento de capital pode estar ligado à precificação abaixo do valor contábil (P/VP < 1).
- Eletromidia: tinha ROE crescente (10% → 13%) e estrutura de capital saudável (alavancagem 1,8x), mas múltiplos em queda e liquidez restrita. O setor de mídia OOH exige investimento contínuo, e a baixa valorização em bolsa limita o acesso a capital. Comparada à Infracommerce, seu par mais próximo em capital intensivo, a Eletromidia mostra melhor desempenho e menor risco, o que explica o interesse de controladores em recomprar as ações a preços depreciados.
- Kora Saúde: enfrentava ROE negativo (-27%) e dívida líquida elevada (6,6x EBITDA), indicando fragilidade operacional e restrição de caixa. Em contrapartida, sua concorrente Rede D’Or exibia ROE de 16%, alavancagem negativa e múltiplos elevados (P/VP > 3x). O contraste motivou a saída da bolsa e busca por capital privado, já que o mercado penalizava empresas menores e mais endividadas no setor hospitalar.
- Serena Energia: com rentabilidade ainda baixa (ROE 1,4%), mas melhoria de liquidez e redução da dívida (7,5x → 5x), a Serena mostra um caso de reestruturação em andamento. O setor elétrico é intensivo em capital e sensível a juros altos, o que reduz o apelo das listagens. O custo financeiro e o baixo retorno sobre patrimônio tornaram a permanência na bolsa pouco atraente.
- Wilson Sons: exibia ROE sólido (27%), queda de alavancagem (2,5x → 1,6x) e P/L razoável (11,7x), o que indica saída estratégica e não por fragilidade. O controle optou por migrar o capital para fora da B3, buscando maior liquidez internacional e menor custo regulatório.
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Juros altos e desalinhamento estrutural expulsam empresas da B3
O ambiente de juros elevados no Brasil tem reduzido substancialmente o apetite por risco no mercado brasileiro e, como uma rota alternativa, tem direcionado investidores para o mercado de crédito privado. Esse cenário tem encarecido o capital das empresas e tornado mais racional a decisão de sair da Bolsa.
Vasconcellos explica que o movimento atual “decorre menos de um desinteresse pelo mercado acionário e mais de um desalinhamento estrutural entre o custo de ser companhia aberta e o valor reconhecido pelo mercado”.
Segundo ele, a persistência de taxas de juros em patamares estruturalmente elevados reduz o apetite por risco e aumenta o custo de oportunidade dos investidores. “Companhias com fundamentos sólidos vêm sendo negociadas a múltiplos historicamente deprimidos, tornando financeiramente racional o fechamento de capital como forma de captura de valor”, completa.
Ele destaca ainda que “a crescente complexidade regulatória, associada à expansão das exigências de disclosure, compliance e auditoria, tem impactado de forma desproporcional as companhias de menor porte ou baixa liquidez”.
Para o especialista, o que antes representava um selo de prestígio e acesso eficiente a capital passou, em determinados casos, a configurar uma estrutura onerosa para as empresas listadas na Bolsa.
Fusões e consolidações reduzem listadas
As fusões também têm contribuído para o encolhimento da Bolsa. A combinação entre Marfrig e BRF, uma das maiores operações do ano, resultou na criação da MBRF, única empresa remanescente. O mesmo ocorreu com o grupo Soma e a Arezzo.
Neste ano ainda há outras negociações que podem levar a novas saídas: a Votorantim estuda vender a produtora de alumínio CBA, o que pode resultar em fechamento de capital. A Rede D’Or avalia adquirir a rede de laboratórios Fleury.
Além dessas, há expectativas de que a espanhola Iberdrola faça uma oferta para comprar todas as ações da Neoenergia, após adquirir a fatia da Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil.
No total, 439 empresas estão atualmente listadas na B3, número que pode continuar caindo caso as fusões e OPAs em andamento sejam concluídas.
Empresas “voltam ao básico”
Além das saídas, várias companhias têm revisto suas estratégias. Grupos como SBF (dona da Centauro), Dasa, Oncoclínicas, Infracommerce e GPA estão vendendo ativos e reduzindo operações, priorizando rentabilidade em vez de crescimento via aquisições.
O movimento reflete o impacto de margens apertadas e crédito caro sobre o setor corporativo.
B3 busca diversificação para compensar perdas
Segundo Pedro Carvalho, chefe de análise de instituições financeiras não bancárias da Fitch Ratings, a B3 tem conseguido reduzir a dependência do segmento de ações dentro do seu portfólio. “A B3 perde no trading de ações, mas ganha em segmentos mais estáveis”, afirmou.
A Bolsa vem ampliando sua atuação em fundos de índice (ETFs), derivativos de criptoativos e serviços de tecnologia e dados, setores que tendem a crescer com o avanço da inteligência artificial.
A estrutura vertical da B3, que inclui serviços de compensação (clearing), registro de ativos e depósito de renda fixa, tem contribuído para manter sua solidez.
O rating da B3, segundo Carvalho, está acima do soberano brasileiro, no mesmo nível de instituições como Itaú e Bradesco.
CVM discute regras de recompra de ações
Diante da retração do mercado, a CVM abriu em setembro uma consulta pública para alterar a Resolução CVM 77, que regula a recompra de ações por companhias abertas. A proposta pretende atualizar o regramento e criar mecanismos para mitigar impactos sobre a liquidez.
Entre as mudanças sugeridas estão:
- Regras de mitigação de impacto: novas condições sobre preço, quantidade e momento das negociações
- Manutenção de ações em circulação: restrição que impede que menos de 15% do total permaneça no mercado
- Ampliação do limite de tesouraria: aumento para 12% do total de ações
- Aquisição via OPA: criação de modalidade alternativa para recompras
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Analistas avaliam que a modernização é necessária diante da defasagem entre preço e valor das ações, o que tem levado companhias a optar por fechar o capital. Segundo eles, a flexibilização das recompras pode reduzir o incentivo às OPAs e facilitar a gestão de liquidez pelas empresas.
Para Vasconcellos, agora o desafio que se impõe ao mercado brasileiro é o de reequilibrar valor, liquidez e governança, de modo que o ambiente público de capitais volte a representar uma vantagem competitiva sustentável, ao invés de um custo adicional de conformidade.