A oferta de fechamento de capital da Cielo, liderada por Bradesco e Banco do Brasil, anunciada no último dia 5, traz um gosto amargo para os investidores. Não pela deslistagem em si, que pode ocorrer, mas pelo preço oferecido por um papel que tem tratado mal quem acreditou na sua tese de investimento.
Desde sua oferta inicial de ações (IPO), os papéis CIEL3 caíram cerca de 40%, sendo negociados hoje por R$ 5,30. O Ibovespa, principal indicador da Bolsa, subiu quase 150% e CDI, referência de juros básicos para investimentos, subiu mais de 250%. O prêmio oferecido por Bradesco e Banco do Brasil para os investidores que compraram os papéis, ao tirar eles da Bolsa, parece longe de cobrir o risco tomado.
A oferta dos bancões é de R$ 5,35 por papel. Um laudo independente elaborado pela L4 Capital, publicado no último dia 16, entretanto, propõe um valor justo por ação de R$ 7,81. A diferença é de 45%.
Bom para o Bradesco, segundo o BTG
Em relatório, analistas do BTG Pactual interpretaram a transação como surpreendente, mas estrategicamente lógica, especialmente para o Bradesco. Eles argumentaram que, do ponto de vista dos controladores, a oferta faz sentido, embora levante questões sobre a justiça da avaliação para os acionistas minoritários.
“Embora acreditemos que a transação faz muito sentido, o pequeno prêmio sobre o último preço de fechamento e o valuation pouco exigente das ações (~6x P/L para 2024) provavelmente gerarão reclamações por parte dos investidores”, publicou o banco.
O relatório lembra que quando o Itaú fechou o capital da Redecard (agora Rede), em 2012, ele também ofereceu um preço que não proporcionou muita valorização (~15%), gerando muito ruído e exigindo muito esforço do banco para ter aceitação da proposta no mercado.
Fechar para abrir de novo?
O analista Bruce Barbosa, da Nord Investimentos, já expressou sua insatisfação com o que considerou um “prêmio” insuficiente na oferta pelo fechamento de capital da Cielo, sugerindo, inclusive, que Bradesco e Banco do Brasil poderiam fazer outro IPO da empresa, depois de aproveitarem um fechamento de capital a baixo custo.
“Eu acho que faz todo o sentido, o mercado brasileiro está tão barato que vale a pena para Bradescão e Banco do Brasil recomprarem Cielo, mesmo que façam um novo IPO da empresa no futuro”, apontou, em texto publicado no último dia 6.
O fator Cateno
O laudo elaborado pela L4 Capital, que propõe uma avaliação significativamente mais alta para a Cielo, sugere a necessidade de reavaliar o valor justo da empresa e os interesses dos investidores minoritários. A participação de 70% da Cielo na Cateno, joint venture com o Banco do Brasil, é essencial para essa análise.
No último balanço, a empresa mostrou um desempenho considerado robusto. Com um lucro líquido recorrente de R$ 315 milhões, que aumentou tanto em relação ao trimestre anterior quanto ao ano passado, a Cateno se beneficia de um aumento nas transações e na receita. Esses números positivos são reflexo de um maior volume de vendas, chegando a R$ 1,1 bilhão em receita líquida, e um mix de transações mais rentável.
O volume total de pagamentos processados pela Cateno foi de impressionantes R$ 112 bilhões, mantendo uma forte presença nas transações com cartão de crédito. Embora os custos e as despesas operacionais tenham aumentado, devido principalmente a ajustes salariais e mudanças na equipe, a Cateno continua sendo um pilar de força para a Cielo, destacando sua importância estratégica no contexto mais amplo do valuation da Cielo no mercado.
O Precedente da GetNet
A situação da Cielo traz à memória o caso da GetNet. Em coluna publicada na Folha de S.Paulo, em 2022, eu descrevi a rápida desvalorização das ações da GetNet após o IPO e a decisão da empresa de sair da bolsa pelo mesmo preço oferecido inicialmente, ignorando o custo de oportunidade e a inflação acumulada.
Ainda que a deslistagem seja parte do jogo para os investidores, é preciso que esse risco esteja claro para o investidor. Em documento enviado à CVM e auditado pela PwC (PricewaterhouseCoopers), a GetNet listou diversos fatores de risco ao preço das ações, mas a possibilidade de um precoce cancelamento de sua listagem não está entre eles. Pelo contrário: um dos pontos citados é justamente o risco de ela emitir novos papéis e, com isso, diluir o preço das suas ações.
Transparência e Justiça
A discrepância entre a oferta dos controladores e a avaliação realizada pela L4 Capital sublinha a complexidade das negociações corporativas e a importância de proteger os direitos dos investidores minoritários.
Avaliações podem ser feitas com diferentes metodologias, mas a necessidade de transparência, equidade e um diálogo aberto com os acionistas, convidados a serem verdadeiros sócios das empresas.