*Por Coriolano Gatto
O economista Dionísio Dias Carneiro tinha a verve afiada para qualquer assunto. Como bom carioca, o grande mestre da PUC-Rio e ex-assessor de Mario Henrique Simonsen não perdia o bom humor. Certa vez, ao se referir a uma tradicional revista semanal no fim dos anos 1990, disse que era apropriada para a classe média de Botucatu, uma bucólica cidade localizada a 235 quilômetros de São Paulo.
Fernando Haddad, ao nomear a sua equipe da Unicamp, transportou para o Ministério da Fazenda assessores que poderiam fazer parte da gestão do simpático município paulista. Haddad esvaziou a Secretaria do Tesouro Nacional ao abrir mão do estratégico Orçamento. É como se uma empresa estatal ou privada perdesse o controle sobre o seu fluxo de caixa, operando em um mar sem bússola.
O futuro ministro abdicou de nomes experientes em gestão pública, como o de Renê Garcia, conforme antecipou a repórter Adriana Fernandes no Estadão, bem como de servidores públicos notáveis para o comando da Receita Federal, diferentemente da era petista que tinha em Jorge Rachid, por exemplo, um escudeiro na Receita.
A equipe escolhida por Haddad, cujos nomes são sobejamente conhecidos, é neófita na complexa máquina da Fazenda, um verdadeiro moedor de cabeças. É verdade que a escolha de Bernardo Appy, que tem na ponta da língua e da caneta a reforma tributária, ao lado de Marcos Barbosa Pinto (ex-CVM) são duas exceções dentro de um time que mais parece disputar a Série B do Campeonato Brasileiro, com todo o respeito às briosas equipes futebolísticas que lá se encontram.
O núcleo duro da Fazenda tem parcos conhecimentos de política fiscal, o que já é uma temeridade diante do cenário desafiador de 2023. Haddad é dócil e vai fazer o que o presidente eleito Lula mandar em seus conhecidos arroubos e limitações na economia. É um ministro sem alma para o cargo. Mesmo nos regimes militares, os ministros da área econômica buscavam formar suas equipes com técnicos experientes da máquina do Estado. Dessa forma, agiram Octavio Gouvêa de Bulhões, Ernane Galvêas, Delfim Netto e Mario Henrique Simonsen, no período de 1964 a 1985.
Diferentemente de Haddad, o tão criticado Aloizio Mercadante, também da Unicamp, escolheu uma diretoria do BNDES, cujos ativos beiram os R$ 800 bilhões, com equilíbrio entre nomes que têm experiência no mercado financeiro e quadros qualificados do PT, como Nelson Barbosa, do FGV Ibre, e a ex-ministra Tereza Campello, notável por sua competência em administrar programas sociais de grande envergadura.
Haddad se apequenou ao escolher uma equipe inexperiente, abrindo mão de servidores públicos calejados – há uma grande safra no Nordeste, região que garantiu a vitória ao presidente Lula, com largos conhecimentos em política fiscal. E vai pagar um preço alto por ouvir em demasia o seu guru Luiz Gonzaga Belluzzo, aquele que ia substituir Henrique Meirelles no comando do Banco Central no governo Lula 2 até surgir o maremoto da crise global, o que levou o presidente da República a um recuo estratégico. Não havia outra saída. A medida acertada fez o presidente sair com um impressionante índice de aprovação e um crescimento chinês, em 2010.
A crise mundial teve um efeito de “marolinha”, segundo previu Lula, em razão da permanência de uma eficiente equipe econômica, que despejou dinheiro na economia e evitou uma crise bancária, a exemplo do que fez o ministro Paulo Guedes, em 2020, durante a pandemia mundial, ao direcionar R$ 400 bilhões no Auxílio Emergencial e no antigo Bolsa Família.
Há apenas um problema: presidentes da República, por definição, não suportam crescimentos medíocres e costumam responsabilizar o ministro da Fazenda, que só tem uma opção para entregar o resultado: a gastança desenfreada. Todo mundo sabe como esse filme acaba: juros na estratosfera e, com isso, aumento do déficit público.
Hoje, os encargos da dívida pública custam 6,2% do PIB, ou quatro vezes o programa Bolsa Família. E Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, cumprirá à risca o compromisso de manter a inflação dentro da meta, ainda que possa emitir alertas à equipe econômica a respeito de eventuais agravantes da expansão da dívida pública.
Atuará como Paul Valéry, que emitiu um alerta ao colega Mallarmé como primeiro leitor de “Un Coup de Dés” (Um Lance de Dados): “O dedo pode talvez deslizar pela chama, mas não pode viver nela”, conforme menciona Walter Benjamin, no clássico “Diários parisienses e outros escritos” (Editora Hedra, 2020).
*Coriolano Gatto é jornalista
Imagem: Rovena Rosa/Agência Brasil