O aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) foi divulgado pelo governo federal como uma medida que aumentaria a arrecadação sem atingir o bolso dos mais pobres. Essa equação, entretanto, é uma falácia, na visão de André Sacconato, economista e assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
Em entrevista ao Monitor do Mercado, Sacconato disse que a proposta “não tem sentido econômico”, sendo fruto do desespero do governo. E seus efeitos serão sentidos sobre toda a cadeia produtiva, encarecendo produtos e serviços para o consumidor.
A crise do IOF está nos holofotes do mercado financeiro desde que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, surpreendeu o mercado, no dia 22, com a notícia de um decreto para aumento do imposto com efeito imediato, mirando a arrecadação de R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026.
Com a medida, tornaram-se inválidas as mudanças implementadas no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que previam a redução escalonada do IOF em operações de câmbio até sua eliminação total em 2029.
A notícia caiu como uma bomba, sobretudo sobre o mercado financeiro, devido à incidência da alíquota sobre operações com moeda estrangeira, além de pesar o encarecimento do crédito em tempos de juros altíssimos e ainda sem confirmação do final do ciclo de altas.
Dado o impacto no mercado, o aumento sobre operações para fundos nacionais no exterior foi suspensa quase que imediatamente, mas o aumento da alíquota sobre outros setores vem ditando o tom da economia doméstica nesta semana.
Empresas de diversos setores, do agronegócio aos grandes bancos, pressionam o Congresso para por fim ao decreto que autoriza o aumento do IOF, sobre a premissa de que o aumento de mais um imposto aumenta ainda mais os custos do setor privado.
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Em comunicado ao mercado o dia 23 de maio, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse não acreditar que a medida seja voltada para a grande massa, não devendo afetar os mais pobres.
E após reuniões com representantes do setor financeiro e com os líderes da Câmara e do Senado, Hugo Motta e Davi Alcolumbre, na última quarta-feira (28) Haddad informou não haver alternativas ao aumento do IOF.
Ao Monitor do Mercado, o economista André Sacconato afirma que os efeitos serão sentidos já no curto prazo, com retração e uma desaceleração da economia.
Leia a entrevista sobre o aumento do IOF na íntegra:
Monitor do Mercado: Qual o ponto mais crítico do aumento do IOF?
André Sacconato: O primeiro impacto do aumento do IOF é o encarecimento do crédito das empresas, embora não tenha sido pensado com essa finalidade.
Quando as empresas fazem as vendas a prazo, tomam um crédito para passar aos clientes. E uma vez que esse crédito se torna mais caro, o valor será repassado ao consumidor.
A falácia de dizer: “Eu não aumentei o crédito direto ao consumidor”, vem quando você percebe que o crédito da empresa vai ficar mais caro, ele vai aí passar esse custo ao consumidor.
MM: Quais os efeitos negativos do encarecimento do crédito no mercado?
AS: O encarecimento do crédito vai prejudicar mais diretamente as pequenas e médias empresas, que são as que emprestam dos bancos, fintechs, corretoras.
As grandes empresas fazem operações na Bolsa, tomam crédito por meio de cotas, papeis, então serão menos atingidas nesse ponto.
O impacto no mercado vai ser imediato, porque as pequenas e médias empresas são o motor da economia e 70% dos empregos são ampliados por elas.
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MM: Com o encarecimento do crédito, quais são as alternativas do mercado?
AS: Com o crédito caro, tanto a pessoa física quanto as empresas tendem a buscar outras alternativas, inclusive que já se tornaram viáveis devido aos juros altos.
As fintechs e os programas especiais de crédito oferecidos pelo governo continuam sendo uma boa alternativa após o aumento do IOF.
MM: E como a medida deve afetar as cadeias de produção?
AS: Esse é o segundo ponto mais importante: o frete. O IOF mais alto vai encarecer o frete, que é pago em dólar, e novamente encarece o crediário das empresas na hora de repassar ao consumidor.
O frete causa um efeito acumulativo no preço dos produtos, inclusive nos importados, e em todos os produtos da cadeia, afetando a economia inteira.
MM: No curto prazo, qual efeito imediato do imposto sobre a economia?
AS: O aumento do IOF no curto prazo vai gerar um grande problema, que é a retração e uma desaceleração da economia, especialmente em relação ao crédito.
Outro impacto importante desse reajuste é dano já causado à imagem e à credibilidade do governo atual no mercado e o aumento do clima de incerteza devido às decisões tomadas no cenário fiscal.
MM: Como o aumento do IOF deve afetar os investimentos?
AS: O mercado brasileiro em grande parte é motivado pelo fluxo do investimento estrangeiro. Uma vez que aumenta o IOF sobre operações de câmbio, há uma limitação da liberdade para investir ou aplicar recursos fora do país e, ao mesmo tempo, aumenta o risco e o Brasil se torna uma opção menos atrativa para o investimento estrangeiro.
MM: Como o comércio e o setor varejista deve ser impactado pelo aumento do IOF?
AS: O varejo deve ser afetado por dois canais: crédito e custo. Embora parte do imposto seja repassada para o consumidor, a empresa absorve a outra parte, incorporada no custo do produto ou serviço.
Esses custos serão cumulativos do imposto em vária fazes da cadeia, do frete, da taxa dos cartões, os quais as empresas não conseguem repassar de forma integral para o consumidor, sem contar os serviços de nuvem, utilizados por essas empresas, como iCloud, plataformas de e-commerce, que são pagos lá fora com dinheiro de câmbio.
Uma loja de varejo que trabalhe com produtos importados vai sofrer com os efeitos sobre o frete, custo de importação, o câmbio, no crédito, no custo dos produtos e no serviço, porque a alíquota, apesar de parecer baixa, é cumulativa.
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MM: Se o governo decidir manter o aumento do IOF, qual o cenário possível para a economia?
AS: Ainda é complicado prever devido à taxa de aumento em cada setor, mas a previsão caso prevaleça o aumento do IOF é de desaquecimento da economia.
A pressão das empresas e da sociedade civil deve surtir algum efeito sobre o decreto do IOF e ocorre com razão, porque o mercado não aguenta mais impostos.
Todos os reajustes somados aos juros altos podem desencadear uma crise econômica e, no comércio, talvez sejam refeitas as projeções de expansão no próximo semestre, porque todos trabalham com retração.
No curto prazo, a medida já teve um efeito negativo, mesmo que removessem as alíquotas. Já tem um efeito sobre o risco, sobre a desconfiança do governo. E para o longo prazo, muita coisa deve ficar pelo caminho, não ser aprovada no Congresso e ter um efeito menor do que a gente esperava.