A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras aprovou, nesta segunda-feira (9), de maneira unânime, o relatório final proposto pelo deputado Ricardo Silva (PSD-SP). O documento, com 509 páginas, sugere a aprovação de 4 projetos de lei e o indiciamento de 45 pessoas por “fortes indícios” de envolvimento em esquemas de pirâmide financeira e crimes como estelionato, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta.
Projetos de lei para conter pirâmides
O principal projeto de lei proposto visa alterar a legislação para especificar e definir o crime de pirâmide financeira, estabelecendo penas de 6 a 10 anos de reclusão e multa. As práticas, quando relacionadas a ativos virtuais, como as criptomoedas, podem variar de 8 a 12 anos, acompanhadas de multa. Além disso, outros crimes financeiros podem ser expandidos para abranger práticas ilícitas envolvendo ativos virtuais.
Os outros projetos de lei propostos foram:
- O funcionamento de programas de milhagem de empresas do setor aéreo;
- A publicidade de criptoativos realizada por influenciadores digitais;
- Os requisitos para a autorização e o funcionamento dos prestadores de serviços de ativos virtuais, (conhecidos pela sigla em inglês VASPs), incluindo o pagamento de tributos no Brasil.
Potencial impacto
O presidente da CPI, deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), destacou que, de 2019 a 2022, mais de 3 milhões de brasileiros foram afetados por pirâmides financeiras, totalizando valores superiores a R$ 100 bilhões. A aprovação dos projetos tem o potencial de aumentar a arrecadação brasileira em até R$ 1 bilhão por ano.
“A gente tem que votar com urgência esses projetos para impedir a criação de novos sheiks, faraós e engomadinhos que retiram recursos da população”, disse o Aureo, em entrevista coletiva.
Isac Costa, professor do Ibmec, do Insper e sócio de Warde Advogados, diz que as pessoas exploraram a credulidade, a ganância e a ignorância acerca de riscos associados a investimentos para fazer fortuna, prejudicando não só a poupança popular como também o próprio desenvolvimento da criptoeconomia.
Ele comenta que ainda é cedo para determinar o impacto das recomendações contidas no Relatório da CPI das Pirâmides, mas que parece que as autoridades despertaram para o risco de que a arbitragem regulatória na prestação de serviços envolvendo ativos virtuais no Brasil é um obstáculo para o desenvolvimento da criptoeconomia no país. Entretanto, a sobreposição de condutas representará um desafio na aplicação dessas normas, se aprovadas.
“Não há como afirmar que todas as medidas propostas no Relatório poderiam ter evitado os escândalos investigados pela CPI ou que irão prevenir eventos semelhantes no futuro. Mas o papel da regulação, em última análise, é dificultar a prática de ilícitos, impondo custos de observância. Se esse remédio se tornará veneno, só o futuro dirá.”
Indiciamentos e empresas envolvidas
O relatório recomenda o indiciamento de pessoas vinculadas a empresas como 123Milhas, Trust Investing, Binance, GAS Consultoria, entre outras.
Destaca-se, no processo, o pedido de indiciamento de oito sócios da 123Milhas, incluindo Ramiro Julio Soares Madureira e Augusto Julio Soares Madureira, ouvidos pela CPI.
Segundo o relator, “essa empresa nunca daria certo. Eles mantinham a empresa aberta, atraindo mais pessoas com gastos vultosos em publicidade, chegando à casa de bilhão, e também com empréstimos bancários, num clássico esquema de pirâmide (…) Pelas contas analisadas, a 123mihas operava sempre no vermelho, com tendência à insustentabilidade”.
A CPI também pediu o indiciamento do ex-jogador Ronaldinho Gaúcho e de seu irmão, o empresário Roberto de Assis Moreira, para o caso da 18K Ronaldinho; de quatro sócios da Trust Investimentos, além de Patrick Abrahão, que também prestou depoimento à CPI; e de Guilherme Haddad Nazar, diretor-geral da Binance no Brasil.
O deputado Alfredo Gaspar (União-AL) apresentou sugestões no relatório final, solicitando que o Ministério Público Federal (MPF) investigue detalhadamente as práticas das empresas Binance, considerada a maior exchange global de ativos digitais no Brasil, e Infinity Asset.
No que diz respeito à Binance, Gaspar recomenda uma investigação abrangente, incluindo possíveis infrações à ordem econômica. Entre as questões a serem examinadas estão os crimes de sonegação e evasão fiscal, lavagem de dinheiro, além do financiamento ao crime organizado e ao terrorismo.
Para Isac, “a Binance foi alvo de várias recomendações específicas. A CPI recomendou ao Ministério Público Federal a apuração de todas as condutas da Binance, seu grupo econômico e as empresas que a ela prestam (e prestaram) serviço no Brasil para viabilizar sua operação no país.”
“A CPI recomendou à CVM a apuração da conduta da Binance após ter recebido “stop order” para não oferecer derivativos a pessoas no Brasil, quando permitiu que fosse possível acessar esse recurso pelo uso do idioma português de Portugal. A conduta da empresa é objeto de processo administrativo sancionador em curso na CVM”, completou.
Em relação à Infinity Asset, a documentação recebida pela CPI sugere que houve movimentação atípica em fundos geridos pela empresa.
Aprofundamento das investigações
O aprofundamento das investigações sobre diversas empresas, incluindo Hotel Urbano, G44, Midas Trend, entre outras, por possíveis condutas ilícitas, também foi solicitado. Além disso, o relatório sugere recomendações administrativas a órgãos como Receita Federal, Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários para fortalecer a regulação e fiscalização do setor.
Recomendações administrativas
A CPI também apresenta recomendações administrativas a órgãos como a Receita Federal do Brasil (RFB), o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).
À Receita Federal, por exemplo, o colegiado sugere a instauração de processo administrativo sobre o recolhimento de impostos por prestadores de serviços de ativos virtuais estrangeiros que atuam no Brasil, concluindo que é necessário exigir os tributos relacionados às intermediações realizadas no Brasil (IRPJ, CSLL, PIS, Cofins e IOF).
“Assim, ao menos em teoria, não seria mais possível oferecer serviços a pessoas no Brasil e, ao mesmo tempo, não informar à RFB sobre as transações realizadas, alegando ausência de sede no Brasil. Para garantir a eficácia desta regra, o representante local, instituição financeira ou de pagamento que viabiliza as transações com reais, seria responsável pelo cumprimento do dever de reportar ao Fisco”, explica Costa.
A CPI também decidiu encaminhar ao MPF todas as informações coletadas em depoimentos e documentos em quase cinco meses de investigação, incluindo as quebras de sigilo.
Para garantir o ressarcimento às vítimas das fraudes, o colegiado sugere ao MPF que considere a possibilidade de pedir o sequestro de bens dos indiciados na investigação parlamentar.
Qual a função de uma CPI?
As CPIs visam levantar informações para que as autoridades aprovem ou instruam processos administrativos e/ou criminais. Além de subsidiar as discussões sobre reformas de leis e regulamentos para prevenir a repetição dos escândalos e dos ilícitos que são investigados.
Nesara Gesara
Recentemente, a Polícia Civil do Distrito Federal realizou uma operação para combater uma organização criminosa que aplicava golpes financeiros em mais de 50 mil vítimas em todo o Brasil e no exterior. Os golpes envolviam promessas de retornos irreais, como “R$ 1 octilhão”. Segundo as investigações, o esquema movimentou R$ 156 milhões ao longo de cinco anos, além de criar 40 empresas fictícias e movimentar mais de 800 contas bancárias suspeitas.
Imagem: Lula Marques / Agência Brasil
Fonte: Agência Câmara de Notícias