Trilhões de reais “presos” em imóveis aguardam a assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para desaguarem na economia. Um projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados pode abrir novas oportunidades de crédito usando esses bens em garantia.
Na última terça-feira (3), a Câmara aprovou o projeto de lei (PL 4.188/21) que estabelece um novo Marco Legal das Garantias, procurando reduzir o custo do crédito e combater a inadimplência no país. Agora, o texto segue para sanção presidencial.
O projeto estimula a geração de crédito, ao permitir que um imóvel seja dado em garantia de mais de uma operação de crédito. Hoje, independente do valor, o bem só pode ser usado em uma operação por vez.
Além disso, o marco cria a possibilidade de utilizar medidas extrajudiciais, por meio de cartórios, para a recuperação de créditos. Essa medida pode agilizar consideravelmente o processo, apontando uma tendência de desjuridicização. A proposta reconfigura as regras relacionadas à garantia real em empréstimos, especialmente em hipotecas e alienações fiduciárias de imóveis.
Os credores poderão delegar a renegociação da dívida a tabeliães, que podem enviar intimações via aplicativos de mensagem, como o WhatsApp.
Gabriel Pimenta, especialista em contratos no GVM Advogados, enxerga que a aprovação do novo Marco Legal das Garantias tem um potencial econômico positivo. Segundo ele, hoje, no Brasil, o valor dos imóveis em poder de pessoas físicas, apenas nas 27 capitais e sem contar aqueles que estão em poder de pessoas jurídicas, corresponde a cerca de R$ 10 trilhões.
“Os empréstimos imobiliários somam apenas R$ 600 bilhões, revelando um potencial econômico pouco aproveitado. Para se ter uma ideia, em 2019 a carteira de crédito imobiliário correspondia a 9,3% do PIB brasileiro, ao passo que essa porcentagem é de 53% nos Estados Unidos, 66% no Reino Unido e 72% no Canadá”, destaca.
Por sua vez, o advogado e sócio-fundador do VBD Advogados, Olivar Vitale, diz que há trilhões de reais “presos” em imóveis por conta de antigas garantias concedidas não renovadas (quando passíveis de renovação) ou imóveis que poderiam ser dados como garantia de maneira mais rápida, mas não são. Dessa forma, Vitale destaca que o PL beneficia, principalmente, os financiadores e o cidadão em geral, que agora poderão se valer de bens imóveis para captar financiamento, dando esses bens como forma de garantia.
Para a advogada da Multiplike, Luíza Moraes, a tendência, em geral, é que isso agilize as negociações e a própria recuperação de crédito, caso o credor precise buscar essa garantia para quitar a dívida. Assim, “o setor fica mais protegido a título de benefício”.
“Essa especialização e essas facilidades geram mais segurança jurídica. Como consequência, tem uma tendência que se amplie a capacidade de crédito do interessado em tomar crédito. Ele acaba tendo mais opções de oferecer garantia, assim como a pessoa que vai conceder o crédito, e tem mais opções para receber essa garantia”, explica.
Principais mudanças
- Recuperação de dívidas ligadas a veículos
Para dívidas de financiamento de veículos, o marco permite a execução extrajudicial, que poderá ser usada para recuperar dívidas vinculadas a veículos automotores alienados fiduciariamente. Apesar de serem a garantia do financiamento, os veículos eram difíceis de serem retomados em casos de inadimplência. Agora, os procedimentos de retomada serão conduzidos em conjunto com o Detran local, através de empresas especializadas.
- Imóveis como garantia de segunda dívida
Uma das mudanças notáveis é a permissão para que um mesmo imóvel seja utilizado como garantia para mais de um empréstimo. Além disso, o imóvel financiado poderá ser garantia de uma segunda dívida, com prioridade para a execução da garantia anterior.
- Agente de garantia
O projeto introduz a figura do agente de garantia, designado pelos credores. Esse agente terá a responsabilidade de registrar o gravame do bem, gerenciar os bens e executar garantias, inclusive de forma extrajudicial. Essa medida pode otimizar o processo e fortalecer a posição dos credores.
- Comunicação
Uma emenda permite o uso de medidas extrajudiciais para recuperar crédito, utilizando cartórios e comunicação por carta simples, correio eletrônico ou aplicativos de mensagem instantânea.
- Incentivo à renegociação
Credores podem delegar ao tabelião propostas de incentivo à renegociação, inclusive recebendo valores já protestados.
- Prova de vida
Cartórios de registro civil podem emitir certificados de vida, estado civil e domicílio físico ou eletrônico do interessado.
- Exclusões
Mantém o monopólio da Caixa no penhor civil, exclui casos de penhora do único imóvel da família, o uso do direito minerário como garantia e isenção do Imposto de Renda para aplicações no Brasil feitas por residentes no exterior.
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