O Banco Central deveria ser mais “gavião” e se antecipar à curva, aumentando os juros de uma forma mais drástica do que o mercado espera e assumindo, assim, o controle das expectativas. A opinião é do CEO da Trevisan Escola de Negócios, VanDyck Silveira. PhD em economia pela Claremont Graduate University (EUA) e ex-CEO do IBMEC.
- Já sabe como funciona uma assessoria de investimentos? Fale com um especialista da Wise Investimentos.
VanDyck falou, em entrevista ao Monitor do Mercado, sobre cenário macro, opções para investidor e desafios do próximo governo do ponto de vista da Educação.
Leia a entrevista:
Monitor do Mercado (MM): O ano promete um cenário desafiador, com alta de juros no mercado americano e, no âmbito doméstico, eleição e os riscos fiscal e inflacionário. Como o senhor acredita que o Brasil enfrentará essa situação?
VanDyck Silveira (VS): Muito mal. Mas vamos sobreviver. Temos um problema que vem de bem antes do atual governo, de antes até da redemocratização, que é a falta de um projeto de nação, um Nation Building, como se diz em inglês. Minha avaliação, diferentemente das projeções do mercado, é a de que teremos uma recessão com um tombo do PIB de até 1%. Quando se toma a situação da produção industrial e os ruídos políticos, o cenário é de muita incerteza.
MM: Desde o início do atual aperto monetário, o Banco Central já subiu os juros em 7,25 pontos porcentuais com previsão de 11,75% ao ano até dezembro. O IPCA, por sua vez, deve fechar o ano em cerca de 5%. A política monetária será suficiente para conter a inflação?
VS: A política monetária continua funcionando, mas tem de estar à frente da curva, antecipar as expectativas de mercado. O fato é que abrimos mão da política fiscal. E os aumentos de preços atingem, sobretudo, os mais pobres, que vivem justamente no núcleo inflacionário, com gastos concentrados em alimentação, moradia e transporte. A inflação empurra o pobre para um mundo de miséria.
Minha expectativa é de que o IPCA feche o ano em 6%. Vale destacar que o movimento de alta dos juros nos Estados Unidos será acompanhado pelas autoridades monetárias de outras regiões desenvolvidas, como o Japão, o Reino Unido e a Zona do Euro. Isso, por sua vez, vai impactar o câmbio interno, com o dólar chegando a algo em torno de R$5,80 a R$6 dependendo da Selic. O Bacen deveria ser mais “gavião” nas primeiras reuniões deste ano, deixando claro que não vai relaxar com a inflação.
Os juros deveriam subir para um patamar entre 12,5% e 13% para conter a inflação. Temos uma bomba fiscal, um risco político dos anos eleitorais e um risco externo que já está claro. Portanto, uma surpresa do Bacen seria bem-vinda para mostrar que o combate à inflação é prioritário.
MM: Para o investidor, o momento é de migrar para a renda fixa ou de se manter ou reforçar posições na renda variável, visando ao médio/longo prazo?
VS: A Bolsa deve andar de lado e não vai ser um ano bonito na renda variável. O fato é que, mesmo com os papéis brasileiros baratos em dólar, as condições macro do País não são favoráveis. Isso posto, fica a pergunta: devo sair? Depende de seu apetite para risco. Como diz Warren Buffet, não existe mercado ruim ou bom, existem empresas bem e mal administradas. Se você quer ficar, busque empresas bem geridas.
Em termos de setores, busque as vinculadas ao consumo básico, que são, naturalmente, um hedge. Por exemplo, de alimentação, bebidas, energia e bancos. Eu, pessoalmente, não saí da Bolsa, mas mudei a estrutura do meu portfólio. As pessoas vão continuar comendo, colocando gasolina no carro e usando energia. Em termos de renda fixa, tudo atrelado à inflação faz sentido, particularmente os pós-fixados. Fundos de Dívidas de empresas e ligados ao agro, como Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) também são uma ótima opção. Este não é um ano para se esperar grandes booms, mas para se proteger.
MM: O sr. possui uma carreira voltada para o universo educacional. Quais são os principais desafios do país do ponto de vista da capacitação profissional/educação?
VS: O desafio é enorme. Gastamos mais de 6% do PIB em educação, mais que a média da OCDE. E gastamos mal. O País precisaria crescer 3% ao ano para admitir todos os jovens que chegam ao mercado de trabalho, mas crescemos, em média, de 1,3% a 1,4% nos últimos 40 anos. Por conta disso, temos um enorme contingente de 12,5 milhões de pessoas na faixa dos 15 aos 29 anos que não estudam nem trabalham, os “nem-nem”.
Além disso, não temos ganho de produtividade há mais de 50 anos e já perdemos a janela do bônus demográfico. A solução seria aumentar a produtividade, mas estamos andando de lado há 40 anos. E resolver a questão não requer “reinventar a roda”, basta olhar para o que foi feito em países como China, Coreia e Cingapura que, entre outras coisas, se concentraram em temas como foco em matemática, ciências, inglês e interpretação de texto. Outra questão: o foco que sempre demos ao ensino superior muito descolado das necessidades de mercado. Nosso foco deveria ser no ensino técnico voltado para a tecnologia. O Brasil se desindustrializou não só por questões como a tributária, mas também porque temos uma força de trabalho altamente deficitária.
*Imagem: Divulgação