A renúncia de 48 representantes da Fazenda Nacional nos julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) irá prejudicar a arrecadação do governo e, também, os contribuintes, mas trata-se de um movimento legítimo da categoria. Esta é a avaliação de advogados tributaristas, que consideram, no entanto, que a situação poderia ter sido evitada.
Os auditores fiscais protestam contra a não implementação do pagamento de bônus de eficiência. O governo não incluiu todo o montante almejado pelos profissionais no orçamento do ano que vem. Também são contrários à decisão da ministra do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Regina Helena Costa que determinou a manutenção do quorum necessário para as sessões de julgamento no Carf, cujos representantes da Fazenda já estavam paralisados.
Os processos do Carf são avaliados por turmas, com oito votos. São quatro indicados pelo governo e quatro pelo contribuinte. No caso de empate, há o chamado “voto de qualidade”. Ou seja, o voto decisivo é da presidência da sessão, ocupada por representante do Fisco.
Letícia Micchelucci, tributarista do Loeser e Hadad Advogados, explica que, no momento, não há mais julgadores da Fazenda para condução dos inúmeros julgamentos de processos dos contribuintes, que já aguardam, por anos, um desfecho – e agora terão que esperar mais ainda até que este imbróglio seja resolvido. “Este movimento prejudica também a tão almejada meta fiscal do governo para aumentar a arrecadação e diminuir o déficit fiscal. O governo entende que os julgamentos pautados, alguns de bilhões, deverão, após o retorno do voto de qualidade, ser mais favoráveis ao Fisco”, comenta.
Letícia lembra que auditores fiscais em cargos de chefia e delegados de várias regiões fiscais e aduaneiras também planejam entregar seus cargos, o que atrasaria a liberação de cargas e a prestações de serviços. “O governo precisará negociar para evitar tamanho prejuízo”, diz.
Já Igor Mauler Santiago, doutor em Direito Tributário e sócio-fundador do Mauler Advogados, afirma que foi muito crítico ao modelo de bônus baseado em arrecadação, “devido ao risco de conflito de interesses”. “Mas, se esta foi a opção do legislador, convalidada pelo Supremo, a regulamentação se impõe. Os prejuízos com a renúncia coletiva são inegáveis, mas a reivindicação é legítima”, avalia.
Centenas de casos sem desfecho
Maria Carolina Sampaio, head da área tributária no GVM Advogados, entende que a renúncia de mais da metade dos conselheiros representantes da Fazenda no Carf prejudica não só o objetivo do governo de zerar o déficit em 2024. “É um problema enorme também para os contribuintes, que não terão uma solução para seus litígios e enfrentarão mais alguns anos de discussão. Não é crível que o governo consiga fazer o órgão funcionar nos próximos meses. Portanto, centenas de casos deixarão de ser julgados”, opina.
Júlio César Soares, sócio da Advocacia Dias de Souza, enfatiza a importância do Carf na interpretação da legislação tributária federal. Ele reconhece a legitimidade da renúncia coletiva, mas lamenta a interferência de questões políticas no funcionamento do órgão, destacando que a situação poderia ter sido evitada pelo governo.