Quando ouvimos no noticiário sobre o aquecimento ou resfriamento das águas do Oceano Pacífico, o assunto pode parecer distante. No entanto, fenômenos como o El Niño e a La Niña são gatilhos para uma série de eventos climáticos extremos que têm o poder de redesenhar o mapa da agricultura no Brasil e, consequentemente, o preço dos alimentos na gôndola do supermercado.
Entender a dinâmica desses gigantes climáticos é fundamental para antecipar as futuras altas de preços de produtos básicos. O que acontece no oceano a milhares de quilômetros de distância define se a chuva ou a seca vai atingir as principais regiões produtoras do país, impactando diretamente a oferta de alimentos e o seu orçamento nos meses seguintes.
O que são El Niño e La Niña, de forma simplificada?
De forma bem direta, El Niño e La Niña são fenômenos opostos que ocorrem em ciclos. O El Niño é caracterizado pelo aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico Equatorial. Esse calor extra libera uma enorme quantidade de umidade na atmosfera, alterando a circulação dos ventos e os padrões de chuva em todo o mundo.
A La Niña, por sua vez, é o fenômeno contrário: o resfriamento anormal dessas mesmas águas. Esse resfriamento também altera a dinâmica da atmosfera, mas geralmente provocando efeitos opostos aos do El Niño. No Brasil, a presença de um ou de outro costuma trazer consequências bem definidas para cada região.
Como cada fenômeno afeta as diferentes regiões do Brasil?
A geografia do Brasil faz com que cada fenômeno se manifeste de uma maneira. Durante um evento de El Niño, a tendência geral é de chuvas muito acima da média na região Sul do país, causando enchentes e prejuízos. Em contrapartida, as regiões Norte e Nordeste sofrem com secas severas e temperaturas elevadas.
Já sob a influência da La Niña, o padrão se inverte. É comum que a região Sul enfrente períodos de estiagem e secas prolongadas, com risco até de geadas. Enquanto isso, o Norte e o Nordeste tendem a receber um volume de chuvas maior que o normal, o que pode ser benéfico para os reservatórios, mas também pode causar problemas para a colheita.
Quais safras são as primeiras a sentir o impacto climático?
As grandes commodities agrícolas, que formam a base da nossa alimentação e da economia, são as mais vulneráveis. As safras de soja, milho, arroz, feijão e café dependem de um calendário hídrico muito preciso. Chuva ou seca fora de hora podem comprometer toda a produção.
Por exemplo, uma seca na região Sul durante a La Niña pode quebrar a safra de soja e milho, que são plantadas em abundância nos estados do Paraná e Rio Grande do Sul. No Nordeste, uma seca prolongada pelo El Niño pode devastar as plantações de feijão e milho, que são cruciais para a subsistência local.
De que forma a seca no Sul afeta mais do que apenas os grãos?
O impacto de uma quebra de safra de grãos vai muito além do preço do fubá ou do óleo de soja. Esses grãos são a base da ração animal na indústria de proteínas.
Quando a produção de milho e soja é afetada por uma seca, o preço da ração dispara. Esse custo é imediatamente repassado pelo produtor, gerando um efeito cascata que encarece diversos outros produtos na gôndola.
Efeito cascata da quebra de safra
- Aumento no preço das carnes: O custo de criação do gado, suínos e aves sobe, refletindo diretamente no preço da carne, do frango e dos embutidos.
- Ovos mais caros: As granjas, que dependem da ração à base de milho, repassam o aumento de custo para o preço dos ovos.
- Leite e derivados: O gado leiteiro também consome ração, e o aumento do custo de produção impacta o valor do leite, dos queijos e iogurtes.
O preço do cafezinho pode variar por causa da chuva ou da seca?
Com certeza. O café, especialmente o do tipo arábica, cultivado em larga escala em Minas Gerais e São Paulo, é extremamente sensível ao clima. A La Niña, por exemplo, ao causar invernos mais secos e rigorosos, aumenta o risco de geadas, que podem queimar as plantações e destruir uma safra inteira.
Por outro lado, o excesso de chuva causado por um El Niño pode atrapalhar a florada e a colheita, além de favorecer a proliferação de fungos. Como o Brasil é o maior produtor mundial, qualquer variação significativa na nossa safra de café impacta as bolsas de valores internacionais e, consequentemente, o preço do pó no supermercado.
Como o consumidor pode se antecipar a essas altas de preços?
O consumidor não pode controlar o clima, mas pode usar a informação a seu favor. Acompanhar o noticiário sobre o clima e a agricultura pode fornecer pistas valiosas sobre quais produtos tendem a ficar mais caros nos próximos meses.
Ao saber que uma forte seca está atingindo o Sul, por exemplo, é razoável esperar um aumento nos preços de grãos e carnes. Com essa informação, é possível planejar o orçamento, buscar alternativas e, no caso de produtos não perecíveis como arroz e feijão, talvez adiantar a compra do mês para garantir um preço melhor antes que o impacto da quebra de safra chegue com força total às prateleiras.
