O Ministério da Fazenda estuda redefinir os papéis da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e do Banco Central, introduzindo no Brasil o modelo chamado “twin peaks”. Segundo informações do jornal Valor Econômico, a proposta vem sendo analisada desde o início da gestão de Fernando Haddad, ministro da Fazenda.
O modelo concentra todo o poder do mercado financeiro, de capitais, de seguro e até de previdência, em apenas dois “super-reguladores” (CVM e BC), extinguindo a Superintendência de Seguros Privados (Susep), por meio de lei complementar.
Hoje, tanto BC quanto CVM desempenham tanto funções de regulação prudencial quanto de supervisão de condutas. No “twin peaks”, o BC seria o regulador prudencial e a CVM regularia as condutas.
Para entender as mudanças funcionariam, imagine dois guardiões cuidando do mercado, mas com missões diferentes.
Um, o Banco Central, se preocuparia com a segurança do mercado, de forma ampla. Ele toma conta para que, se uma parte do mercado quebrar (por insolvência, por exemplo, que é quando alguém não consegue pagar suas dívidas), as outras não sofram o chamado efeito dominó.
O outro guardião, a CVM, teria a missão de garantir que cada empresa ou investidor receba sua parte, de forma justa e honesta.
Mudança na CVM seria “retrocesso”, diz ex-presidente do órgão
Em entrevista exclusiva ao Monitor do Mercado, o ex-presidente da CVM, Francisco Augusto da Costa e Silva, disse não acreditar no funcionamento do modelo no Brasil. Segundo ele, “twin peaks” pode funcionar na Austrália e no Reino Unido, mas aqui, onde há muita indisciplina fiscal, a mudança seria um retrocesso.
Ele exemplifica dizendo que existem títulos, fundos de investimento, fundos imobiliários, uma série de mecanismos que estão sob a regulação da CVM, e que talvez o fato de não estarem sob o Banco Central tenha contribuído para esse crescimento.
“Agora estamos discutindo a possibilidade de reunir tudo isso sob a regulação do Banco Central, deixando a conduta, que é a parte ruim do ponto de vista de muitos, também sob a responsabilidade do Banco Central. Isso inclui sancionar pessoas, administradores de companhias, o que pode criar uma grande confusão ao invés de aprimorar o que já existe. Eu acho que isso no Brasil é um retrocesso“, diz Costa e Silva.
Para ele, é melhor deixar o Banco Central em paz. “Deixa ele cuidar da política monetária, que se ele não deixar a inflação subir, já é uma grande vitória. Se querem tirar a parte chata do BC, que é a supervisão dos investidores, basta transferir isso para a CVM”, complementa.
Autonomia financeira
O governo estuda também implementar, por lei complementar, autonomia financeira para os dois “super-reguladores”, também segundo reportagem do Valor Econômico. O ex-presidente da CVM Costa e Silva também não acredita que isso acontecerá.
Ele lembra que desde a época em que era presidente do órgão, de 1995 a 2000, a CVM sofre com a pouca verba disponibilizada, ainda que produza superávit expressivo de, aproximadamente, R$ 900 milhões, incluindo os valores das taxas recolhidas.
“Acho que a melhor coisa seria, ao invés de entrar em uma novidade de twin peaks, respeitar, aparelhar e dar condições melhores para a CVM operar de maneira decente. Investir em tecnologia. Tem dinheiro para isso, o contribuinte paga para isso, mas isso não está sendo respeitado“, explica Costa e Silva. Ele atribui a culpa ao apetite insaciável do governo por usar o dinheiro arrecadado pela entidade.
Elogios à proposta
Para Marcelo Trindade, também ex-presidente da CVM, a proposta seria um “grande avanço” para os mercados regulados no Brasil. “É um modelo que evoluiu muito no mundo, e enfrenta crises que decorrem da falta de foco dos reguladores no sistema atual. Essa falta de foco seria eliminada ou reduzida para um modelo twin peaks”, afirmou, em entrevista ao Valor Econômico.
Também em entrevista ao Valor, Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central (BC), disse que modelo permite uma melhor fiscalização do mercado de crédito privado, onde boa parte está em fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs), de investimento imobiliário (FIIs) e outros fundos que não são fiscalizados pelo BC.
Marcos Sader, sócio do i2a Advogados, diz que “a iniciativa parte da ideia de que concentrando a supervisão destes mercados em dois órgãos e dividindo suas atribuições, eles podem ser mais especializados e cumprir suas funções com mais facilidade“. Além disso, a unificação em apenas dois reguladores disponibilizaria mais recursos, tanto para a CVM como para o BC. De acordo com Sader, a implementação precisaria de mais estudos e, mesmo assim, enfrentaria dificuldades.