Quando os preços no supermercado sobem, nossa primeira reação é culpar fatores externos como o dólar ou uma safra ruim. No entanto, existe uma fonte de inflação que nasce dentro da nossa própria economia, silenciosa e poderosa, começando diretamente na folha de pagamento: a inflação de custos impulsionada por reajustes salariais.
O aumento do salário de um trabalhador é uma conquista justa e necessária, mas quando ocorre em larga escala em setores estratégicos, como o de transporte ou a indústria, ele gera um efeito dominó. O custo maior da mão de obra é repassado pela cadeia produtiva até chegar ao preço final que pagamos por um produto ou serviço, gerando uma alta que nem sempre é óbvia em sua origem.
A inflação pode começar no holerite de um trabalhador?

Sim, e este fenômeno tem um nome: inflação de custos. Ela ocorre quando o custo para se produzir um bem ou prestar um serviço aumenta. Para proteger suas margens de lucro, as empresas repassam esse custo adicional para o consumidor. O salário dos funcionários é um dos componentes mais importantes do custo de qualquer empresa.
Diferente da inflação de demanda (muito dinheiro para poucos produtos), a inflação de custos não é sobre o consumidor querer comprar mais, mas sobre o produtor precisar cobrar mais para manter seu negócio viável. É uma inflação que “empurra” os preços de baixo para cima, a partir da base da pirâmide de produção.
Por que o reajuste dos motoristas de caminhão encarece o tomate na feira?
Este é o exemplo mais clássico do efeito dominó. O Brasil é um país com uma logística predominantemente rodoviária. Quase tudo que consumimos, do alimento ao eletrônico, foi transportado por um caminhão em algum momento. O preço do frete, portanto, está embutido no custo de praticamente todos os produtos.
Quando os motoristas de caminhão e trabalhadores de transportadoras negociam um reajuste salarial, o custo operacional das empresas de logística aumenta. Esse aumento é imediatamente repassado para o valor do frete. Assim, o agricultor que vende o tomate, a indústria que vende o eletrodoméstico e o supermercado que vende ambos pagarão mais caro para transportar suas mercadorias, e esse custo extra chegará inevitavelmente ao consumidor final.
Como o aumento na indústria metalúrgica pode afetar o preço dos eletrodomésticos?
Em um polo industrial como a região de Sorocaba, o impacto de um dissídio coletivo (acordo salarial) no setor metalúrgico é um ótimo exemplo local. Quando os trabalhadores de uma fábrica de autopeças ou eletrodomésticos conquistam um reajuste de 5%, por exemplo, o custo da folha de pagamento daquela indústria sobe na mesma proporção.
Esse aumento no custo da mão de obra será incorporado ao preço de fabricação de cada peça ou produto que sai daquela linha de montagem. O resultado é que o carro, a geladeira ou a máquina de lavar chegarão mais caros às concessionárias e lojas, refletindo o aumento salarial obtido na fábrica.
Quais são as categorias de trabalhadores cujo reajuste tem o maior “efeito dominó”?
Alguns setores são tão centrais na economia que um reajuste salarial em suas categorias tem o poder de impactar todos os outros. São setores cuja mão de obra é um custo fundamental para a maioria das outras atividades econômicas.
Estar atento às negociações salariais desses grupos é uma forma de prever a direção futura da inflação.
Transporte e logística
Como vimos, o custo do frete afeta toda a cadeia de suprimentos. Qualquer aumento aqui é pulverizado por toda a economia.
Indústria de transformação
Engloba desde a indústria metalúrgica até a de alimentos e embalagens. O aumento de custo aqui afeta o preço de produtos acabados e de insumos para outras indústrias.
Energia e combustíveis
Reajustes para os trabalhadores de refinarias e companhias elétricas podem influenciar o preço final da gasolina e da conta de luz, que são custos estratégicos para todas as famílias e empresas.
Construção civil
O aumento do custo da mão de obra na construção civil impacta diretamente o preço de imóveis novos e o custo de reformas e manutenções.
O reajuste do salário mínimo também gera esse tipo de inflação?
Sim, o reajuste do salário mínimo é um fator importante na inflação de custos, especialmente em setores que empregam muita mão de obra na base, como o comércio varejista e os serviços de limpeza e segurança. O aumento do piso salarial nacional eleva diretamente a folha de pagamento dessas empresas.
No entanto, o salário mínimo tem um efeito duplo. Ao mesmo tempo em que aumenta os custos para as empresas, ele eleva o poder de compra de milhões de famílias, o que estimula o consumo e aquece a economia. O debate entre os economistas é sobre o equilíbrio ideal entre esses dois efeitos.
Como o consumidor pode identificar e se preparar para essa “inflação de custos”?
O consumidor informado pode se antecipar. Acompanhar o noticiário econômico, principalmente as notícias sobre os principais dissídios coletivos do país, é uma excelente estratégia. Quando você ouvir que uma categoria importante, como a dos bancários ou dos petroleiros, fechou um acordo salarial significativo, saiba que essa é uma pressão inflacionária futura.
Essa informação não muda os preços imediatamente, mas serve como um alerta. Ela pode ajudar no seu planejamento financeiro, indicando que a tendência geral dos preços nos meses seguintes será de alta, permitindo que você ajuste seu orçamento ou antecipe compras importantes, se for o caso.